_ Estas crianças não sabem brincar! Não se intertem com nada! Tem um mundo de brinquedos, bonecas, carrinhos... tempo livre para brincar e não brincam! No meu tempo não era assim. Ah! Se eu ia ter tempo de tá brincando!
Minha avó conta a sua infância para meus sobrinhos, os netos filhos do filho caçula dela. Há um pouco de ressentimento em sua voz, coisa normal após tantos anos de sofrimento! Sofrimento fruto de mágoas do passado e também criações do seu próprio pessimismo. Não é fácil pra ninguém ter crescido sem ter brincado, sem ter tido infância. Não é fácil ter feito sempre, sempre tudo do jeito que os outros esperavam que fosse feito e, ainda assim, se sentir incompleta. Porque quando se faz tudo o que os outros querem, agradando aos outros, quem se desagrada é a gente!
Uma infância de trabalho na lavoura junto com os pais, plantando e colhendo, capinando, ajudando a cuidar dos animais e da casa. Ter uma irmã sofrendo de doenças mentais e resolver que não iria se separar nem da mãe nem da irmã. Não haviam brinquedos, teve tempo que não tinha comida. Nos momentos de folga, peças velhas que não se usariam mais no arado eram o que viravam as bonecas da vó e das irmãs dela.
Não havia tempo para estudar, as brincadeiras então... raramente existiam.
É interessante como as pessoas enfrentam de forma tão diferentes as coisas que acontecem nas suas vidas! Minha bisavó Elmira criou os filhos sozinha, ajudou a criar os netos, ficou junto com a filha doente até os últimos dias dela. Passou trabalho, passou fome. E não lembro dela carregada de pessimismo.
Minha avó já é mais dura, não com as pessoas, creio que ela seja dura consigo mesma. Tem uma grande seriedade com tudo. Com certeza fruto do sufocamento da sua infância. Ela teve nove filhos, alguns partos dificílimos, a maioria em casa! Ficou viúva cedo! Mas sua quietude vem de muito antes disso! Sua seriedade com tudo na vida vem de não ter tido tempo para brincar, não ter tido meninice.
Lembro de ficar depois da escola na casa dela, mas não lembro muito de vê-la conversando com as pessoas. Posso sentir o cheiro do risoto que fazia aos domingos, posso sentir o odor da casa e as paredes quentes da cozinha onde ficava o fogão a lenha. Mas lembro pouco dela conversando, rindo...
Hoje em dia ela fala bem mais. Tem vezes que fala tanto que parece que precisa se livrar de tudo aquilo dentro dela, tem que botar pra fora. Compreendo a maneira como ela vê as coisas, compreendo seus motivos de tristeza, já perdeu marido, filho, netos... Pensa incessantemente nos que estão longe, nos que estão sem trabalho, nos que dirigem, nos que andam nas ruas, nos que casaram, nos que tem filhos e em todos aqueles de quem gosta, filho dos filhos dos filhos dos filhos... Sua cabeça não para, sempre com preocupações variadas. O sono não vem diante de tanta gente por quem pedir, com quem se preocupar. Há motivos, isto é certo! Mas há algo de melancólico e sofredor! Algo de que me falaram certa vez, que vem nos genes, faz parte do DNA da gente que é misturado. Dizem que cada povo tem seu traço característico, alguns são alegres e falastrões como os italianos, outros sofredores como os portugueses. Minha avó tem um pouco de sangue português, pois embora tenha sido registrada com o sobrenome Nunes, é, na verdade, Oliveira.
Eu tenho um pouco desta melancolia, desta coisa que parece estar sempre tocando um fado de fundo musical. Também tocam boleros arrastados, a velha "Ronda" ou o "Folhetim". Só que comigo tem as batucadas e o Raulzito e todo um repertório que parece não ser o gosto musical de uma mesma pessoa tamanha a disparidade de estilos.
Olhando pra minha avó às vezes parece, que só tocam fados na vida dela. São poucos momentos de riso. Mas o que ela não sabe, não tem consciência é de que é uma vencedora. Ela apenas não acredita nisto!
PS.: Esta história é baseada na história de vida da minha avó, tem muito mais para contar, este é um pequeno reconhecimento para ela que tem sim um história de vida linda. Não foi fácil, mas o mais importante é o proveito que se tira de tudo.
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