terça-feira, 26 de maio de 2015

Lar é muito mais que uma casa

Nunca tive vergonha da minha condição financeira, da minha família, da minha casa ou do lugar onde eu morava. Sempre soube que éramos pobres e usava de bom grado as roupas, sapatos e outras coisas que ganhava dos primos mais velhos ou de amigos com melhores condições financeiras. Mas tive na adolescência amigos que tinham vergonha da sua família, da casa ou do trabalho dos pais. As roupas de marca eram uma forma de tentar esconder uma casa com problemas estruturais. Um destes amigos foi embora muito cedo, não lembro ao certo a idade que ele tinha quando morreu, mas era no máximo 20 anos. Foi num acidente de carro na estrada entre Pelotas e Rio Grande.
O pai dele me chamava carinhosamente de "porqueira"! E nunca duvidei que fosse carinhoso. Ele falava assim principalmente quando eu e a Ana Paula íamos pra Bento ficar na volta deles enquanto trabalhavam. Nosso amigo tinha vergonha que outras pessoas o vissem ali fazendo o percurso do passeio das pôneis. Mas nós não só passávamos a tarde, como várias vezes íamos ao lado dele fazendo o percurso em volta a da praça. Ele era um cara bem inteligente, estudou na escola técnica e gostava de Guns n' roses. Gosto, aliás, pelo qual vivíamos brigando, afinal ele era do rock e nós até gostávamos de rock, mas estávamos na época das bandinhas água com açúcar, com carinhas bonitinhos e letras melosas.
Entrei apenas uma vez na casa dele, geralmente nos falávamos na esquina da casa dele, que era a metade do caminho entre a minha casa e a casa da Ana Paula. A gente costumava se visitar todos os sábados. Combinamos que um sábado eu iria a casa dela e no outro ela iria na minha. E na hora de ir embora uma acompanhava a outra até um pedaço, que virava até a outra esquina e quando víamos estávamos na esquina da casa da outra e precisávamos acompanhar pelo percurso de novo e de novo. No verão fazíamos isto até um pouquinho antes de anoitecer. O bairro apesar da fama era bem mais calmo também. Neste vai e vem sempre encontrávamos este amigo pelo caminho, ou chamávamos na frente da casa e pra ficarmos de papo ali na frente, falando abobrinhas, discutindo besteiras e dando muita risada. Ficávamos felizes juntos! Desta vez que entrei na casa deste amigo foi numa festa de aniversário dele, acho que era de 18 anos. Além da família só nós duas. E foi nesta única vez que aprendi uma das coisas mais importantes da minha vida. Aprendi que um lar é muito mais, mas muito mais mesmo que uma casa bem estruturada. Um lar é feito de gente que se ama e que mesmo sabendo que não é motivo de orgulho pro outro faz tudo pra ele estar e ser feliz. A casa deste meu amigo tinha problemas no telhado, tinha animais aqui e ali, tinha umas tranqueiras no caminho, alguns entulhos de obras inacabadas. Faltavam algumas coisas materiais, talvez coisas que fizessem falta para o conforto da família que trabalhava duro. Mas sobrava amor, tinha fartura na mesa, tinha muita alegria, tinhas corações abertos e gente acolhedora que te fazia sentir em casa, mesmo que aquela fosse a primeira vez que te vissem.
Eu sei que a maior luta deste meu amigo era pra superar as dificuldades financeiras, ter um lugar confortável pra morar. A vontade de mudar foi o que o levou a batalhar seus sonhos. Acho que quando ele desencarnou não estava morando em Pelotas, mas seguido vinha por causa do trabalho e da família. O desencarne foi um choque, foi estranho pois nesta época ainda temos uma noção de morte muito remota, é como se fôssemos imortais.
Escrevi este texto porque senti saudade daqueles tempos. Lembrei do nosso amigo, dos domingos na Bento, das risadas e dos planos de sermos famosos, ricos, bonitos e magros.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Sobre o amor

Ultimamente vejo muita gente pedindo mais amor, coisa que um barbudão há milênios atrás dizia que era o único mandamento, amarmos uns aos outros. Mas tem quem pense que amor é coisa de outro mundo, que amor de verdade só de mãe, aliás, em alguns presídios os caras tatuam isto na pele tamanha dureza daqueles lugares e mostrando que "os brutos também amam", pelo menos suas mães. E realmente o amor materno é algo que representa o amor de verdade. Há exceções, claro, tem quem não tenha vindo a este mundo preparada para ser mãe, ok! Mas aquelas mulheres que se dispõe a serem mães tem dentro delas a semente do amor, daquele que parece ser ideal e utópico de respeitar o outro apesar de todos os defeitos e diferenças, daquele faz com que se abra mão de determinadas coisas para a felicidade do ser amado.
É amor de mãe que te faz crescer, que te aponta os caminhos e te guia para que sigas tuas próprias escolhas com liberdade apesar de o coração estar apertado. O Amor, do qual falou o barbudão JC é assim. Amar é admitir que não tem condições de criar um filho e dar para adoção. É trabalhar de sol a sol e mesmo cansada ter tempo de revisar os temas, dar bronca, dizer não e mandar tomar banho e escovar os dentes. É dar tarefas e ensinar sobre responsabilidade.

A primeira vez que assisti "Minha vida por meus filhos", um filme antigo que deu inúmeras vezes na sessão da tarde chorei que deu gosto. Aliás, choro sempre e tanto que quando o filme tem momentos tocantes meus sobrinhos e meu namorado ficam olhando pra mim pra ver as lágrimas começarem a rolar. E se espantam quando eu não choro! Este filme é lindíssimo e conta a história de uma mulher que depois de dar a luz seu décimo filho descobre um tumor em estágio avançado. Com esta descoberta sua primeira atitude é buscar famílias que queiram adotar seus filhos e mantê-los em contato. Só de lembrar já me dá vontade de chorar! Gente, quando que fragilizados por uma doença terminal nós deixaríamos o egoísmo de lado para cuidar do bem estar e do futuro daqueles que ficariam? Ela conversa com os possíveis pais adotivos e conforme vai encontrando as novas famílias as despedidas vão acontecendo. Como nos casos de adoção ainda hoje, os menores são os primeiros a serem desejados, mas aos poucos todos são acolhidos por novos lares.
E a maior lição do filme é que para amar de verdade é preciso querer e superar o egoísmo e a vaidade.
No filme "Lado a lado", Susan Sarandon interpreta uma mãe, paciente terminal de câncer, que busca um bom entendimento com a futura esposa do ex-marido, pensando no bem estar dos filhos após sua morte. Mas não seria muito melhor que as pessoas tivessem esta consciência mesmo sem estarem doentes? Se por qualquer motivo tua relação com o pai dos teus filhos não deu certo, que pudessem ter uma convivência tranquila pelo bem das crianças. Mas é difícil, porque o egoísmo, a mágoa, o rancor muitas vezes se coloca na frente do bem estar dos próprios filhos, que são usados para machucar o outro, para punir.
Os filhos não são armas, não são um bem de um ou de outro. Filhos são a comprovação de que, ainda que agora tu não tenhas mais "aquele amor", um dia ele existiu e está cristalizado na forma de um filho. E a mágoa, a raiva, o rancor não podem ser maiores que o amor pelo seu filho.
Vai ter quem diga que eu não tenho filho, por isto que falo assim. Mas espero sinceramente que eu pense assim quando/se tiver filhos e pense no bem do outro sempre que eu amar alguém. Porque eu já compreendi que no amor não cabe preconceito, egoísmo, ressentimento, mas mesmo que ainda existam estes sentimentos na tua forma de amor, não deixe de amar, pois o exercício do amor nos faz melhores amantes ou seria amadores, ou quem sabe amorosos?
Tem até umas piadinhas dizendo "aquilo que te dá frio na barriga é montanha russa o amor é outra coisa", por exemplo. E realmente o amor é outra coisa.  É  uma coisa muito boa e que vale a pena sempre, leve o tempo que levar.