terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Não entendo porque aconteceu, então resolvi esquecer

Algumas coisas não se compreende, não tem mesmo como compreender. Tua entrada na minha vida por exemplo, não tem explicação lógica. Eu sempre busco uma explicação lógica pra tudo! Então eu procurei uma explicação por ter me apaixonado por ti, que nunca me notou, mas um belo dia apareceu na minha vida... assim... do nada! E aí veio todo interessado pro meu lado, procurou assunto, quis ficar ao meu lado.
A razão que busco é pelo simples fato de depois deste dia teres sumido. Não culpo a mim mesma. Cansei de me considerar a culpada por tudo! Segui meu coração, meu instinto. Deixei a razão de lado, mandei ela para as cucuias e me expus sem vergonha. Entreguei meu sentimento, procurei por ti, mesmo quando por alguns momentos tinha certeza de que estavas nalgum lugar defendendo ideologias, percorrendo caminhos novos, seguindo os passos do Che. Não te culpo por nada! Fiz o que sentia ser o certo. Fui feliz por algumas horas e se te faz bem, quero que saibas que te saístes muito bem. Enfim... mas depois de ter procurado por ti, sem pudor, vergonha ou medo de levar um não, o silêncio de tua parte me indica que devo deixar aquele momento no passado e seguir adiante. Quem sabe, assim como da segunda vez que nossos caminhos se cruzaram, lá na frente, n'alguma curva do caminho nossas estradas não se cruzem novamente? Por agora é deixar o rio correr, fresco e com suas águas límpidas. Não posso garantir que teu sorriso sairá de minha memória instantaneamente, tampouco que nunca lembrarei da tua voz ou dos teus olhos... mas o fato é que neste momento o melhor a fazer é colocar tudo em uma caixa... deixar lá, no momento certo retira-se a poeira e enxerga-se a  verdade. Será como o mar, não o vejo sempre, mas sei de sua força e beleza, estará sempre lá, quando quiser vou vê-lo.
Talvez não estejas entendendo porque te digo tudo isto, sem dizer. É que assim como não posso garantir que te esquecerei, o que seria bom para mim mesma, não tenho como prometer que quando nossas ruas formarem uma encruzilhada continuarei te amando. Não há garantia de nada, por isto não espero nada! Só quero que saibas que o sentimento existiu e foi verdadeiro. Busquei respostas não obtive nada, quis explicações e fiquei apenas com minhas dúvidas e outras incertezas. Não sei porque aconteceu, ainda não percebi a lição que deveria aprender. E como não entendo o motivo pelo qual este amor aconteceu, resolvi esquecer... Ou pelo menos tentar!

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A falta que eu já sinto

Sei que partir é sempre mais difícil que chegar. Mas, talvez o mais difícil seja ver alguém que se ama ir. Despedidas para mim sempre são sofridas, sempre há lágrimas! Quando morei fora de Pelotas, toda vez que vinha era uma alegria. Bastava o ônibus sair da rodoviária de Porto Alegre e eu passava a me sentir em casa. Quando vinha por Santa Maria a chegada em Canguçu prenunciava minha casa, minha gente...
Esta madrugada meu irmão voltou para nos visitar. A alegria de sua chegada mescla nossos olhares e nossos corações de uma pequena melancolia. A felicidade de vê-lo chegando e receber seu abraço anuncia uma nova partida, ainda mais dolorosa!
Existem filhos que nascem no coração. O útero é o aparelho que forma e expele pro mundo o recém nascido, o coração é quem o acolhe. É com base nele que protegemos e amamos. Para amar precisa ter coração, para ser mãe... para ser mãe é preciso muito mais coração...
Minha filha do coração nasceu prematura há 8 anos, 9 meses e cinco dias. Eu não estava perto fisicamente mas meu coração estava na mesma constância, batimentos sincronizados. Minha filha do coração é a coisa mais linda que poderia ter acontecido na vida da minha família inteira. Seu amor incondicional por cada um dos seus Familiares, como ela mesma diz é incontestável.
Receber meu irmão na sua volta é ótimo, mas faz com que eu pense num assunto que estou adiando propositadamente. Não quero pensar na partida. Na falta que irei sentir de preparar a merenda, de dizer pra que coma de boca fechada e perguntar como foi a aula. Meu coração parte só de pensar que daqui duas semanas ela irá para outro estado. Como toda a mãe sei que "os filhos são do mundo", e como toda a mãe também... é impossível não sofrer com a separação. A sorte é que ela tem duas mães... a primeira e a segunda, que sou eu. E sei que a primeira cuida muito bem dela, junto com o pai.
Será impossível conter as lágrimas... a única certeza que tenho é que a saudade se aconchegará num cantinho recôndito do meu coração de segunda mãe. A minha sorte é que mãe de coração não tem problemas de fertilidade, como disse, o útero apenas forma e expele o bebê o coração é o verdadeiro responsável pela maternidade. E como sou mãe de coração, tenho outras filhas e filhos. Mas tanto eu, como meus filhos de coração sentiremos uma imensa saudade da primeira, porque ela será sempre a primeira, nunca a próxima!

PS.: Parei de escrever se não ia causar um curto circuito com as lágrimas saltando no teclado, no monitor, inundando a sala, afogando a colega de trabalho...

sábado, 4 de dezembro de 2010

"Elas gostam de apanhar" dizia Nelson Rodrigues

Um dos meus autores favoritos é o Nelson Rodrigues, alguns que me conhecem já sabem disso, claro. Assim como aqueles que me conhecem pelo meu jeito contestador e revoltado com o machismo e os preconceitos me dizem, tu gostas de Nelson Rodrigues? Como?
Eu explico, gosto do que ele escreveu na vida como ela é, gosto das personagens e dos temas que ele trata. É certo de que ele era moralista, que tinha alguns preconceitos e era machista, como não ser naquela época? Mais perguntas eles me fazem quando lembram da expressão: "toda mulher gosta de apanhar". Completando o questionamento com a perguntinha cretina, Tu gostas de apanhar? Sempre respondo, a verdade é que ele disse "nem toda mulher gosta de apanhar, só as normais". E eu sou, assumidamente, ANORMAL!
A verdade é que quando ele falava assim se referia a uma questão sexual. Nelson Rodrigues falava da mulher reprimida que quando podia liberava tudo, geralmente na cama. Quanto a isto cabe aqui a frase "ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível".
Mas o fato que realmente me levou a escrever este texto é aquela velha questão do tal "um tapinha não dói".  Sei que quando Nelson Rodrigues se referia as mulheres que gostam de apanhar, esta fala tinha uma conotação sexual, induz a pensar que este gosto seja para a cama. Como anormal que sou, digo logo que não aceito tapas ou coisa que o valha nem no quarto, quanto mais noutro lugar da casa. Mas conheço sim mulheres que admitem gostar de apanhar na hora H.
Numa época em que cada vez mais seja necessário criar campanhas para defender e lutar pelo #FimDaViolênciaContraMulher acabo pensando que aceitar um tapa na hora h é admitir que outros tapas possam acontecer noutros momentos. Desta vez eu concordo com o Nelson Rodrigues, quando ele diz que  "o homem começou a própria desumanização quando separou o sexo do amor".
Como saber o limite que separa o tapinha da hora H do empurrão na cozinha? Há como distinguir?
Na minha opinião não dá, pra mim um tapa é um ato de violência, independente do momento. Por isto continuarei sempre fã do Nelson, acho que ele é um ótimo escritor e conhecia a alma humana e continuarei lutando pelo #FimDaViolênciaContraMulher! E com certeza isto não é contradição! "Elas gostam de apanhar", mas eu não!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Trabalho duro e bonecas feitas com peças de arado

_ Estas crianças não sabem brincar! Não se intertem com nada! Tem um mundo de brinquedos, bonecas, carrinhos... tempo livre para brincar e não brincam! No meu tempo não era assim. Ah! Se eu ia ter tempo de tá brincando!
Minha avó conta a sua infância para meus sobrinhos, os netos filhos do filho caçula dela. Há um pouco de ressentimento em sua voz, coisa normal após tantos anos de sofrimento! Sofrimento fruto de mágoas do passado e também criações do seu próprio pessimismo. Não é fácil pra ninguém ter crescido sem ter brincado, sem ter tido infância. Não é fácil ter feito sempre, sempre tudo do jeito que os outros esperavam que fosse feito e, ainda assim, se sentir incompleta. Porque quando se faz tudo o que os outros querem, agradando aos outros, quem se desagrada é a gente!
Uma infância de trabalho na lavoura junto com os pais, plantando e colhendo, capinando, ajudando a cuidar dos animais e da casa. Ter uma irmã sofrendo de doenças mentais e resolver que não iria se separar nem da mãe nem da irmã. Não haviam brinquedos, teve tempo que não tinha comida. Nos momentos de folga, peças velhas que não se usariam mais no arado eram o que viravam as bonecas da vó e das irmãs dela. 
Não havia tempo para estudar, as brincadeiras então... raramente existiam.
É interessante como as pessoas enfrentam de forma tão diferentes as coisas que acontecem nas suas vidas! Minha bisavó Elmira criou os filhos sozinha, ajudou a criar os netos, ficou junto com a filha doente até os últimos dias dela. Passou trabalho, passou fome. E não lembro dela carregada de pessimismo.
Minha avó já é mais dura, não com as pessoas, creio que ela seja dura consigo mesma. Tem uma grande seriedade com tudo. Com certeza fruto do sufocamento da sua infância. Ela teve nove filhos, alguns partos dificílimos, a maioria em casa! Ficou viúva cedo! Mas sua quietude vem de muito antes disso! Sua seriedade com tudo na vida vem de não ter tido tempo para brincar, não ter tido meninice.
Lembro de ficar depois da escola na casa dela, mas não lembro muito de vê-la conversando com as pessoas. Posso sentir o cheiro do risoto que fazia aos domingos, posso sentir o odor da casa e as paredes quentes da cozinha onde ficava o fogão a lenha. Mas lembro pouco dela conversando, rindo...
Hoje em dia ela fala bem mais. Tem vezes que fala tanto que parece que precisa se livrar de tudo aquilo dentro dela, tem que botar pra fora. Compreendo a maneira como ela vê as coisas, compreendo seus motivos de tristeza, já perdeu marido, filho, netos... Pensa incessantemente nos que estão longe, nos que estão sem trabalho, nos que dirigem, nos que andam nas ruas, nos que casaram, nos que tem filhos e em todos aqueles de quem gosta, filho dos  filhos dos filhos dos filhos... Sua cabeça não para, sempre com preocupações variadas. O sono não vem diante de tanta gente por quem pedir, com quem se preocupar. Há motivos, isto é certo! Mas há algo de melancólico e sofredor! Algo de que me falaram certa vez, que vem nos genes,  faz parte do DNA da gente que é misturado. Dizem que cada povo tem seu traço característico, alguns são alegres e falastrões como os italianos, outros sofredores como os portugueses. Minha avó tem um pouco de sangue português, pois embora tenha sido registrada com o sobrenome Nunes, é, na verdade, Oliveira.
Eu tenho um pouco desta melancolia, desta coisa que parece estar sempre tocando um fado de fundo musical. Também tocam boleros arrastados, a velha "Ronda" ou o "Folhetim". Só que comigo tem as batucadas e o Raulzito e todo um repertório que parece não ser o gosto musical de uma mesma pessoa tamanha a disparidade de estilos.
Olhando pra minha avó às vezes parece, que só tocam fados na vida dela. São poucos momentos de riso. Mas o que ela não sabe, não tem consciência é de que é uma vencedora. Ela apenas não acredita nisto!

PS.: Esta história é baseada na história de vida da minha avó, tem muito mais  para contar, este é um pequeno reconhecimento para ela que tem sim um história de vida linda. Não foi fácil, mas o mais importante é o proveito que se tira de tudo.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Nem sei como aguentei tudo isto"

Num cantinho da casa de repouso, nome pomposo para o verdadeiro fim a que servem, a pequenina senhora olhava tristemente para a rua, como a espera de alguém que estava certo de vir. Comecei a conversa após alguns instantes sentada a seu lado.
_Como a senhora está hoje?
_Minha filha, nem sei o que faço aqui ainda. Deus perdeu o caderno aonde estava anotado meu nome. Todos da família que tinham mais ou menos minha idade já se foram. Ficaram meus filhos e netos e sobrinhos... mas sou um estorvo pra eles, todos trabalham muito, não tem tempo para cuidar de mim...

A lágrima rolou mansinha pelo rosto marcado de rugas de dona Edith. Seus olhos não tem brilho, mesmo quando seu rosto sorri. Eu pergunto se ela quer dar uma caminhada pela casa, mas ela diz que está muito cansada e prefere conversar ali mesmo. Então ela me pergunta:
_Sabe que hoje sonhei com meu velho?
_É dona Edith? E como foi?
_Ele estava lindo, sorrindo pra mim na entrada da casa aonde morávamos. Então ele veio caminhando até a namoradeira onde eu estava sentada. Ajoelhou aos meus pés, segurou minha mão entre as dele...
_E então?
_Ah! Ele beijou minha mão. Lembro porque senti cócegas por causa do bigode. Sempre senti cócegas do bigode dele!  Aí ele passou uma das suas mãos sobre a minha e ficou segurando. Olhou nos meus olhos e me disse assim, "minha velha, não fica triste eu nunca te deixo só, nossos filhos estão em dívida contigo, mas logo-logo nós dois estaremos juntos, falta pouco".  Ele vai vir me buscar!
_ Ele disse isso?
_Não, ele não disse, mas eu sei. Mas não te preocupa filha, eu quero ir. Estou cansada de estar aqui. Nem sei como aguentei tudo isto pelo que passei na vida, não sei... Minha vida não foi nada fácil! Passei fome na minha infância. Era uma época de muita miséria, ninguém tinha comida, comia só quem  conseguia plantar alguma coisa. Trabalhei muito, lavei passei, cozinhei na casa dos outros, limpei chão, cuidei de criança. Então um dia, num restaurante que estava trabalhando conheci meu véio. Ah! Lembro bem demais daquele dia.

Falando isto foi a primeira vez que vi os olhos de dona Edith brilharem, foi a primeira vez que a vi viva. Ela foi contando como conheceu o marido e como foi difícil para ficarem juntos, pois a família dele se opunha por ela ser pobre. Mas ele insistiu. Tiveram cinco filhos, e nenhum deles vem visitá-la porque "são ocupados". Seus 20 netos não aparecem nunca! Mas ela sempre os desculpa quando ligam, pois ela é mãe, é vó e eles são tudo pra ela.

Ficou viúva numa época em que era bem difícil criar os filhos sendo sozinha. Dona Edith não se importou com as convenções sociais. E logo que pôde, mesmo com cinco crianças começou a trabalhar. Mesmo com a pensão do marido. Nunca mais casou. Desde os 40 anos reserva-se exclusivamente para seu marido. Mantém-se como na juventude, guardando se para o verdadeiro amor.
Nossas conversas são sempre sobre livros, filmes que gosta de assistir, mas nos últimos dias ela vem falando da sua história. E desde o sonho com seu esposo noto que ela vem ficando cada dia mais feliz. Seu olhar, antes disperso e apagado, agora exibe o brilho, que vemos nos olhos dos apaixonados.

Nesta manhã dona Edith me chamou a seu quarto. Fez com que eu sentasse em sua cama e disse:
_No sábado é meu aniversário, estarei completando 96 anos. Sorrindo completou, faltam só quatro p'rus cem, mas não chego lá não. Quero te pedir um favor filha, liga para meus filhos e meus netos, e pra minha irmã Carolina. Aqui tem um dinheirinho, acho que  dá pra comprar um bolo e uns salgadinhos. Ah! Compra também uns balões, compra lilás, minha cor favorita. Não esquece os refrigerantes e uma cidra. Traz também umas flores, como é o nome daquelas bem coloridas?
Fiquei olhando para ela com o dinheiro na mão.
_Aquelas que parecem margaridas grandes, sabe?
_Gérberas?
_Isto, traz umas gérberas. Diz pros meus filhos, noras e netos que eles precisam vir. Que é uma comemoração de família e todos devem vir, ah! marca as quatro da tarde.

Saí do quarto deixando dona Edith. Estava pronta para sair e fazer as compras que ela pediu. A tarde liguei para os filhos e a irmã. Todos ficaram certos de estar no sábado na casa de repouso. No dia marcado dona Edith estava radiante. Sua pele parecia estar muito mais saudável e até menos marcada pelas rugas.

Organizamos a sala onde seria feita a festinha e ela colocou, numa mesa próximo da cadeira onde estava sentada a fotografia do seu esposo. Como em muitos anos não via a casa de repouso estava em festa. Todos estavam alegres.
A primeira a chegar foi dona Carolina. Conversou durante bastante tempo com a irmã relembrando o passado e sorrindo das coisas todas que aprontou quando criança.

Aos poucos os filhos de dona Edith foram chegando com seus filhos e as namoradas dos filhos.
Todos riram muito, comeram, beberam, desculparam-se pela ausência e brindaram, com a cidra encomendaou a mim,  pela saúde de dona Edith.

Acabada a festa dona Edith levou uma gérbera e o retrato do seu amado de volta a seu quarto.
No meio da noite acordou com a presença do seu velho.
_Como foi a festa Edith?
_Ah! meu velho vieram todos, foi linda! Nunca na minha vida tinha tido um aniversário tão feliz!
Ele a pegou da mão e dançaram pelo quarto, como faziam na mocidade.

Dançaram, dançaram, dançaram,dançaram...

Na manhã seguinte a ausência foi notada por todos, já que era uma das primeiras, sempre, a acordar. Quando entrei no quarto dona Edith ainda estava deitada, parecia estar dormindo. Sobre o peito a fotografia e nos lábios um sorriso tranquilo. Ela havia se ido! Reencontrou seu amor.
No criado mudo uma carta para mim dizia:

"Não chore nem fique triste, minha ausência te dará saudade, tenho certeza, mas saiba que estou indo porque acabou meu tempo, estou feliz, fiz tudo que precisava fazer, criei filhos bons, vi meus netos... tive amigos maravilhosos. Agora vou ficar junto do meu velho, como prometeu ele veio, veio me buscar. Me vista com a roupa que usei no meu aniversário, nas minhas mãos quero apenas a aliança e a gérbera que esta no vaso ao lado da cama. Reza um pai nosso pela minha alma, pede luz pra o meu caminho, mas não chora. Se quiser, pode beijar meu rosto. Avisa a todos os meus, mas esta carta é só tua. Não te preocupa com o teu amor que ainda não apareceu, algo de muito bom esta no teu caminho, eu pude ver. Cuida de mim pela última vez com todo o carinho como sempre fizestes. E depois que eu for sepultada... quando sentires saudade, reza por mim. Um beijinho no teu coração, Edith".

Tudo foi feito como ela havia me pedido. Sua serenidade contagiou a todos e como se soubessem, ninguém chorou. Talvez tenham se envergonhado diante do sorriso da morta. E hoje toda vez que lembro dela, rezo um pai nosso. E lá se vão mais de 40 anos. Ela estava certa, tinha algo de muito bom no meu caminho!

PS.: Esta bem poderia ser a história de alguma idosa ou idoso que a gente conhece, mas não é, eu juntei muitos relatos que ouvi, sentimentos meus e de outros e deu nisso. É uma tentativa de deixar a veia literária fluir!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Saudade dos tempos em que não se tinha pressa

Faz tanto tempo que não posto nada aqui! Sinto culpa e uma saudade enorme. Mas não tenho tido tempo. As ideias fervilham na minha mente, tantas histórias para contar... como correr contra o tempo?
Se bem que... a verdade é que cansei de correr. Não consigo mais encarar como normal toda esta correria das pessoas em busca sei-lá-de-quê! As pessoas correm em seus carros, buzinam no sinal, param na faixa, mas mal tu te afasta um milímetro da frente do carro e eles aceleram os automóveis e se vão fazendo tua roupa voar com o deslocamento do vento. Pedestres não conseguem esperar o farol abrir, mesmo que isto signifique proteger suas vidas, eles olham pra cima vendo que a luz verde não está acesa e descem as calçadas de forma perigosa. Quem chega no horário no trabalho sente, mesmo com folga de 5 minutos, que está atrasado! A cobrança é sufocante, tem muito para se fazer e tão pouco tempo! É preciso ser bem informado, é preciso estar nas redes sociais, trabalhar é imprescindível afinal é o que paga tuas contas e garante a bóia na mesa, tem que fazer exercícios, relacionar-se com as pessoas, ler bons livros, ir ao cinema, ao teatro, ficar com os filhos, visitar os parentes distantes e mais uma infinidade de verdades absolutas que a gente recebe por email. E vamos acelerando o nosso ritmo a ponto de sentir taquicardia no meio da tarde, morrendo de medo de que seja sinal de um enfarto, mas na verdade é das duas uma, criação da tua própria cabeça por causa da ansiedade decorrente de não conseguir cumprir todos os prazos que tu mesmo te deu, ou são gases. É, são gases, porque na volta com tanta coisa que precisas fazer na frente do computador tu acaba esquecendo de ir ao banheiro.
Só que eu não quero mais isto pra mim não. Vou voltar a dormir as 8h que preciso por dia, se não viro um bagaço! E o pior, não atino nada, a sinapse fica impossível! E vou dar, ainda, mais valor as coisas que gosto de fazer, minhas aulas de dança, escrever, ler, ver meus amigos, ficar com a minha família. Todas as outras verdades absolutas vou deixar pra lá. Nunca obedeci regras e nunca quis ser mais uma na multidão, sou do contra mesmo, vou contra a maré. Só não corro mais contra o tempo!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Nossa trilha podia ser Adoniran

_Nossa história de amor podia ter começado assim: "De tanto levar frechada do teu olhar/ Meu peito até parece sabe o quê?/Táubua de tiro ao álvaro/Não tem mais onde furar/Táuba de tiro ao álvaro/Não tem mais onde furar [...]", disse ela sorrindo.
Ele pensativo respondeu, olhando nos olhos, como naquele dia:
_É? Foi meu olhar que te frechou????
_Sim, eu nem estava pensando em nada, tinha entrado no boteco para beber com os amigos, dar umas risadas e só...

Enquanto falava lembrava mentalmente do que sentiu quando viu seus olhos verdes sorrindo pra ela. Mas, na verdade a música que fazia com que ela lembrasse dele era "quem te viu, quem te vê". Ela virou para ele e não o viu na velha cadeira de balanço.   Erguia-se do sofá, com um pouco de dificuldade quando escutou a voz do Chico cantarolando "Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala/Você era a favorita onde eu era mestre-sala/Hoje a gente nem se fala mas a festa continua/Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua".
Seu amor vinha, os pés arrastando as pantufas sovadas, pegou-a pela mão e foi até o centro da sala. Enlaçou seu corpo em posição de dança, aproximou-se dela. Beijou-a na testa e perguntou:
_Lembra desta minha véia?

Ela não respondeu, apenas sorriu. Então ele questionou:
_Tu gosta de Chico?
Ala não conteve a gargalhada frouxa.

Então, pela primeira vez, em 50 anos de união ele dançou com ela...
Ela olhou para o amado, já de cabelos e barba branca e percebeu que no cantinho do olho corria uma lágrima e falou:
_Adoro Chico e te amo, pra sempre!

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

"Eu te amo, não esquece nunca!"

Cansada de sofrer por um amor não correspondido resolveu botar um ponto final. Não dava para continuar sofrendo! As palavras que disse ao amado serviam mais para si própria do que para ele, que não sofria qualquer culpa, que não compartilhava das dúvidas e dos medos dela. A intimidade dos dois serviu como ponto de partida para entrar no assunto, que para ela, a cada palavra proferida se tornava mais difícil.
Acabou seu discurso aos prantos, desculpou-se por não ser tão livre como gostaria de ser. Cada frase lhe batia de volta como um bumerangue.
_Te amo, mas não posso continuar ficando contigo... não te cobro nada... e sei que teu amor por mim é diferente... sei que não tens intenção de mais nada além do que já dizia Cazuza 'sexo e amizade'... cobro demais é de mim mesma, que não quero sentir o que sinto para não te cobrar o que não devo... nem posso.

Tudo foi dito sem intervalo, sem tempo para réplicas. Ele não deveria dizer nada. Como aconteceu diante do espelho, ninguém retrucou. Foi seguindo, ou pensava que seguia, o roteiro imaginado. Mas ele não poderia dizer nada. Tocá-la menos ainda. Sentir o calor de suas mãos seria covardia demais. Com certeza esqueceria o roteiro, os planos e a decisão definitiva que havia tomado de mudar a situação. Aquele momento era a virada de mesa para ela. O agora ou nunca!

Como previsto ele deixou que ela falasse compulsivamente. Ouviu com atenção os argumentos e ficou os olhos nos olhos dela. Crispou a sobrancelha quando lhe perguntou se ela tinha mesmo segurança de que  não queria mais amá-lo, mesmo que sem compromisso, mesmo que apenas uma vez lá que outra? Ela seguiu firme na decisão apesar das lágrimas rolando pelo rosto e a voz fraca que quase não saia.
Ele segurou sua mão trêmula e disse que para ele tudo aquilo era loucura, deveriam continuar como estavam. Ele também a amava e ela sabia.

Ela ergue-se do chão aonde estava sentada e disse que sabia de tudo o que ele estava falando, que acreditava em tudo, por mais incrível que parecesse e embora suas amigas, sua mãe e até ela mesma lhe dissessem que deveria esquecer o que um dia aconteceu entre eles.
_Sempre terei este amor em mim. És parte de mim, mas quero outras coisas.

Ele replicou duro:
_Queres casar? E completou a pergunta com um sorriso irônico.

Ela ficou ferida demais para responder ao sarcasmo. Disse apenas que não sabia, talvez casasse ou não. Não sabia o que queria, sabia apenas que não queria aquela situação.
_Não quero ser objeto apenas de desejos, não quero ser confidente . Não quero mais ouvir o homem que eu amo falando de outras mulheres. Não quero mais não saber afinal de contas o que sou tua, o que somos nós!

O rapaz manteve-se sério, sentado olhando para ela de pé diante dele. Houve um momento de silêncio. Apenas os olhos vermelhos dela pousados, agora com serenidade, nos olhos dele, quase indiferentes. 
_Vou embora...
Foi saindo, deixando para trás toda a angústia que viera carregando. Enxugou o rosto. Olhou no espelho do hall e cerrou a porta sem olhar para trás.
Saiu com a certeza de que tu voltara a ser como antes do primeiro beijo que trocaram. Ficou livre daquela dor disfarçada de amor. Sabia que aquilo não era o que buscava. Desespero, incerteza, angústia, dor, nada, nada daquilo foi parecido com o amor que já havia sentido. Cogitava muitas hipóteses e teorias, como era costumeiro. Talvez doesse tanto porque não era correspondida como desejava. Não sabia, não fazia ideia! Também não tinha a menor importância.

Não precisou pensar em como seria o próximo encontro com ele pois demoraria alguns meses, já que ele iria viajar por mais de um mês. Durante este tempo, os dias passaram claros, calmos. No retorno, logo procurou por ela. Marcou um encontro, um café, um conhaque, mas ainda naquele dia. Antes de desligar disse solene...
_"Eu te amo! Não esquece nunca!"
Do outro lado ela sorriu vitoriosa, embora já tivesse escutado a declaração, embora tenha sido ele o primeiro a usar o termo na relação, embora ela nunca tenha tido dúvida nas vezes anteriores... desta vez pareceu-lhe mais verídico, mais sincero. Apenas respondeu calma: _Eu também!

A noite optaram pelo conhaque. Conversaram muito, como de costume ele contou seus projetos, pediu conselhos. Surpreendeu quando perguntou para ela de seu coração. Não pode disfarçar a surpresa, pois ficou corada. Sem jeito respondeu:
_Esta bem, porque a pergunta?
_Quero saber de ti, me interesso, porque a estranheza?
_Nada, apenas me surpreendi, tu nunca perguntou sobre isto antes.

Caminharam lado a lado até a casa dela. Na despedida ele repetiu a declaração pela qual ela tanto ansiou escutar.
_"Eu te amo, não esquece nunca!"
Ela sorriu...
_Eu também...
Ele beijou -a na testa.. O beijo era o selo de autenticação.
Daquele dia em diante, depois que ela disse que não o queria mais, cada despedida era para ele a tentativa de reconquistá-la. Sua declaração a fazia sorrir sempre e sentir, como se finalmente tivesse atingido seu objetivo de ser amada por ele. Agora já não importava, mas era muito bom ouvir.
Teve certeza de ser amada quando resolveu não amá-lo mais.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

É por isto que sou a favor de homens barbudos

"Espuma de barbear

São tão malignos que você não quer nem saber o que há neles. Sério.
Se ficou curioso, veja a lista: butano (o conhecido gás de cozinha), uréia de diazolidinyl (que libera formaldeído, substância que pode causar dificuldades respiratórias), trietanolamina (um importante ingrediente do gás mostarda, arma química criada durante a Segunda Guerra Mundial e que pode causar câncer), parabeno (que enfraquecem imitadores de estrogênio, presentes nas pílulas anticoncepcionais).
Para ficar longe de todas essas toxinas, faça a barba com óleos orgânicos, como óleo de amêndoas, géis de barbear ou adote um visual lenhador e não faça a barba."

Claro que além de proteger os homens destas malignas substâncias também acho que eles ficam um charme com a barba por fazer. Mas preferências pessoais a parte, é interessante ficar a par da composição de produtos que corriqueiramente usamos, achando-os tão inofensivos. Clica lá no link da Super e fique por dentro. Afinal de contas, como diz a máxima popular "é melhor prevenir do que remediar"!

Sou a mulher maravilha, ou não

Calma, antes de mais deixem que eu esclareça, não estou me achando não. O título é uma homenagem a minha heroína de infância. Confesso que nas minhas preferências ela vinha depois do incrível Hulk, de quem eu tinha um pouco de pena, pois ele era um incompreendido (na minha avaliação) e todos o perseguiam e o irritavam, até que ele ficasse verde e quebrasse tudo. Pura identificação!!!! A mulher maravilha era toda bonitona, uma das únicas mulheres da liga da Justiça, sempre maravilhosa, sempre uma maravilha. Não me idenficava muito não. Nunca me achei charmosa ou elegante. Sempre fui de falar alto, esbravejar quando irritada, me alterar quando vejo injustiças, enfim... muito mais Hulk, só que menos verde.
Mas o título do post vem por outro motivo, nada a ver com minhas semelhanças psicológicas com este ou aquele personagem de histórias em quadrinhos. O caso que vou relatar é verídico e engraçado. Agora, relembrando o fato, me passou pela cabeça de que a pequena dor no ombro que estou tento há dias se deva a ele. Bem, vamos ao relato.
Alguns dias atrás, acho que umas três semanas, por aí, fui com meus pais para o nosso sítio, na colônia de Pelotas (para quem não é daqui fica difícil compreender esta expressão, mas a colônia nada mais é do que a zona rural da cidade, a expressão também pode ser substituída por "Lá fora", ao que se refere a fora da cidade, centro urbano).  Quando chegamos ainda fiquei mais um pouco dentro do carro. Estava com muita preguiça e sono. Como minha sobrinha não havia ido conosco, fui no banco de trás, aonde geralmente ela exige a presença da minha mãe. Fiquei por ali, enquanto meu pai e minha mãe descarregavam a camionete que vinha cheia, como de costume, ração para as galinhas, comida para os cavalos, coisas compradas para o final de semana.
Após alguns minutos de preguiça dentro do carro, peguei minha sacola, com coisas apenas para o final de semana e desci. E qual não é a surpresa? O carro saiu andando, descendo o pequeno declive e eu tive que agarra-lo a unha, quase. Não tinha idéia de que tinha tanta força. Pedi ajuda, claro. Mas meu pai, com as mãos cheias de sacolas queria que eu puxasse o freio de mão, sendo que pra mim, da porta trazeira seria impossível tal façanha. Na minha cabeça, se eu voltasse para dentro do carro aí sim é que ele sairia em disparada e entraria na horta. Isto se não fosse parado pela amoreira. Mas, vai saber né?
Fiquei ali, tentando manter o carro firme. E meu pai me olhando com cara de que eu tinha que ser ágil. Resultado??? Tive que dizer pra ele, vai me ajudar ou solto o carro???
Gente do céu, foi uma coisa muito estranha!!! Minha mãe quase morreu rindo da minha cara, tentando segurar o carro, logo eu, pra quem ela dá as sacoles mais leves quando vamos ao super.
O mais engraçado é que muitas vezes tive que ajudar a empurrar carros. Tentar mantê-los em algum lugar foi a primeira vez. Confesso que empurrar é mais fácil! E eu que queria ser a Mulher Maravilha quando criança. Acho que mesmo acreditando ser um desenho animado, nunca teria conseguido imaginar que iria segurar um carro. Pelo menos não assim. Afinal, parecendo tanto com o Hulk talvez o mais provável fosse jogar o veículo contra alguém que me tivesse perseguindo.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Sonho mucho loco!!!!

Sempre ri muito dos sonhos que minha mãe tinha. Geralmente eram coisas sem pé nem cabeça.
De tanto rir dos outros, comecei a ter sonhos completamente doidos. No início eram apenas com pessoas conhecidas, mas sem nenhuma intimidade, como a dona do jornal da cidade, etc.
Mas o último sonho que tive foi muito louco. Mucho bicho!!!! Literalmente!!
Alguns fatos não lembro bem. Aliás lembrar de partes dos sonhos é um grande feito pra mim que geralmente não lembro nada, fico apenas com a sensação de que foi bom ou não. Enfim, neste sonho lembro de estar com várias outras pessoas numa espécie de acampamento. Não era ao ar livre, mas era um galpão grande, com o teto super alto, onde voavam vários passarinhos e morcegos. Não sei porque estava imóvel. Meu pai me dizia que tinha um passarinho fazendo ninho na minha cabeça, só que eu não conseguia espantar o bicho, nem me mexer.
O ninho na minha cabeça era cheio de nós bem pequenininhos, vários trançadinhos que se ligavam um no outro. Para fazer os nós a ave bicava minha cabeça. O detalhe, que não tinha nada a ver é que em cada nó, em cada lugar aonde o pássaro bicou tinha uma tachinha. É, um preguinho dentro da minha cabeça. A dor era intensa. Ainda assim não consegui espantar a ave. Quando minha mãe a espantou ela disse: _ mas não tenho nada a ver com pregos!
Gênte! Que sonho doido!!!!!!
Minha mãe pegou um alicate e começou a desfazer os nós e retirar as tachas. No meio do ninho havia, além dos preguinhos, vários botões e palhas secas no meio do meu cabelo e olha que meu cabelo tava curto no sonho! Que loucura!!!!!! Nunca tinha tido um sonho tão viajandão como este!!

terça-feira, 5 de outubro de 2010

"sou meio anegrada"

A risada do dia hoje aconteceu por conta da minha sobrinha. Ela estava lendo a ficha da rematrícula e se parou a questionar sobre ao item cor. Começou:
_Como assim cor vó? É a cor da minha pele?
_É, a cor da pele.
_Amarela? Quem que é amarelo?
_Os japoneses, coreanos, chineses são considerados amarelos.
_E eu sou branca????? Eu não sou branca!
Neste momento eu ri e perguntei:
_E tu te considera de que cor?
Ao que ela respondeu espontanea e firmemente:
_Ah! Eu sou mais ou menos "anegrada"!!!!

É a lógica das crianças, se minha pele não é branca e a raça se define pela cor  dela, afinal de que raça eu sou? Por isto gosto tanto de crianças.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Obtuários do jornal

Alguns dias do mês fico relativamente sem ter o que fazer aqui no escritório. Aproveito este tempo para ler notícias de jornal, escrever nos blogs, ativar o cérebro com jogos e leituras. Geralmente isto ocorre pelo final do mês. Foi na manhã fria de hoje, com o vento empurrando as janelas que li a triste notícia da morte de um vizinho.  Não sei o seu sobrenome, tampouco aonde estava morando atualmente. Mas bastou ler o primeiro nome para ter certeza de que se tratava dele. Após ler as circunstâncias da morte, a idade, a localidade onde foi encontrado seu corpo e os possíveis motivos do crime a angústia da dúvida deu lugar a  tristeza de saber que tudo indicava ser ele.
Esqueci o tempo que faz que não o vejo. Desconheço seus hábitos, não faço ideia de como andava sua vida, mas lembro perfeitamente seus trejeitos juvenis. Minha memória trouxe a tona nossas pequenas brigas infantis na casa de uma outra vizinha que era babá dele. Não posso esquecer seus olhos verdes e os cabelos cacheados tipo anjo barroco que caiu quebrando a asa. Nunca fomos amigos, mas havia sim uma cumplicidade a qual não sei explicar e que ocorre vira e mexe entre mim e algumas pessoas. Quando isto acontece não são necessárias palavras, apenas o olhar revela tudo. Ele exercia sobre mim um grande fascínio. O jeito rebelde, a maneira displicente ou a vida marginal faziam com que a gente discutisse. No entanto, não eram suficientes para fazer com que nos repelíssemos.
Ele adorava assustar as pessoas usando apelidos estranhos ou complementos satãnicos para nomes falsos, como Demétrius, o filho do diabo. Mas, no fundo, bem no fundo podia-se perceber que toda a violência era fruto de uma carência afetiva muito grande.
Vou tratá-lo pelo pseudônimo que adotou,  Demétrius. Ele sempre foi uma criança difícil, daqueles guris inquietos e arteiros, que fazem coisas que até mesmo o capeta duvidaria. Perdeu o pai ainda criança e não tinham uma boa relação com o padrasto, com quem chegou as vias de fato inúmeras vezes. Numa de nossas poucas conversas, percebi abaixo de seu olho direito uma cicatriz. Para um guri marcas de tombos pelo corpo são como troféus de suas peraltices. Questionei como havia ocorrido, assim como perguntei olhando em seus olhos se ele fazia uso de drogas. Pode ser que ele tenha mentido, mas me contou tranquilamente que o corte tinha sido feito com a coronha de um revólver pelo padrasto na última briga que tiveram antes que ele saísse de casa e fosse morar com a avó. A mãe ficou do lado do novo marido, afinal de contas ele era um menino problema. Neste mesmo dia ele confessou o uso de drogas. Ao contrário do que qualquer pessoa, tomada de preconceitos pelo submundo dos dependentes químicos, ele não me ofereceu para experimentar. Ficou bravo quando perguntei sobre os efeitos e o que ele, particularmente sentia. Ele não quis me contar nada a respeito, apenas argumentou que para saber como era só usando e que eu não deveria usar.  Por observá-lo sabia aonde ele escondia seus baseados e o pó. Nunca comentei com ele ou com qualquer outra pessoa.
Mesmo aparentemente não tivéssemos nada em comum Demétrius se sentiu a vontade para me mostrar seus desenhos. Segundo ele apenas um hobby. Mas seu talento era nato! Traços firmes, limpos, precisos, perfeitos! Ele tinha uma pasta cheia dos seus trabalhos, material que poderia ser usado em tatuagens e ilustrações. Neste mesmo dia ele exibiu todo-todo sua tatuagem, um dragão vermelho com detalhes verdes do lado esquerdo do peito sobre o mamilo. Desenho feito por ele, claro.
As imagens são tão nítidas na minha cabeça que chego a me perguntar: tem certeza do que escreves? Crês de verdade que a cicatriz é sob o olho direito e a tatoo do lado esquerdo? O que te dá tanta confiança, o que te faz crer que esta é a verdade. Posso usar aqui de toda a licença poética que quiser, posso inventar coisas, posso fantasiar a vontade, não serei cobrada por ninguém. Não há compromisso de contar a história com tantos detalhes e precisões, apesar de basear os contos em fatos reais. É que as imagens e lembranças vem sem esforço.
Não preciso cerrar as pálpebras para lembrar do sorriso dele. Nem de como fugia do seu olhar e evitava pousar os meus olhos nos dele, sempre protelando o beijo, que parecia já estar programado. Mesmo sabendo que uma notícia como esta mexeria comigo, jamais imaginei que seria tanto.
Demétrius teve uma vida difícil por causa do envolvimento com as drogas. Morava aqui e ali. Andava com todo o tipo de gente. Vagava perdido pois tinha família mas era da rua. Levou uma vida marginal, a margem da família, da sociedade e até de mim mesma. Não é possível compreender ou dizer o que o levou ao que. Não tem como explicar se foi a carência familiar que o levou para a dependência ou se foram as drogas que o afastaram. O que sei é que ele foi se transformando, pelo menos é o que se podia ver por fora. Seus olhos já não brilhavam mais como antes, seu corpo não era limpo, as marcas aumentavam mais e mais, eram de expressão, de brigas, de tristeza, de solidão talvez. Seu mundo se fechou de tal maneira que não havia lugar para ele fora e não cabia mais ninguém dentro.
A sua morte violenta encerrou uma vida de sofrer, mesmo sem lembrar se ele alguma vez se queixou, via nos seus olhos uma melancolia profunda e aquela cumplicidade que só conseguimos ter com quem é capaz de nos olhar nos olhos e nos ver. Não há como isentar as drogas neste caso, já que elas podem ser o motivo da morte. Tampouco se pode dizer que ele é apenas vítima das circunstâncias. Sei que ele fez as escolhas que lhe pareceram melhores. Mas sei também, que não pode existir preconceito ou acusações sobre ele, afinal, de todas as pessoas atingidas pelas suas escolhas ele foi o mais prejudicado.
Desejo de coração que ele encontre a paz, que tenha felicidade e luz nos seus caminhos. E mesmo que seja tarde, o que acredito que não é, quero admitir que gostei muito dele e sempre tive esperança de que sua vida fosse melhor. Vai em paz!

Chutando o penico!

Muitas vezes o filho mais velho acaba levando as culpas pelas coisas que o irmão mais novo faz. Outras o irmão mais velho realmente é o culpado e noutras, ainda, por mais que ele tenha cuidado  do mais novo nada iria impedir que algo de errado saísse. A culpa é proporcional a diferença de idade entre os manos. Quanto mais idade tiver o primogênito mais castigado e xingado ele será se o caçula fizer alguma peraltice enquanto está sob sua guarda.
Uma prima minha tem duas meninas, uma por volta dos 16 anos de idade, completou o ensino médio e já  está cursando o técnico a caçula está com 2 aninhos. É óbvio que a mais velha acaba ficando responsável pela maninha vez por outra. Sabemos que entre as atividades pelos quais os irmãos mais velhos ficam responsáveis é limpar a bundinha dos irmãozinhos, ajudar a comer e reparar pra que eles não enfiem pregos nas tomadas, fujam para a rua ou subam na casa.
Minha prima tem toda uma estratégia para fazer com que a filha pequena se habitue a usar o famoso troninho. Sobre a banheira alta ela coloca o penico e põe a mocinha a fazer as necessidades. Por ser um local alto, sempre é necessário que alguém fique de olho na menina. Outro dia, a irmã mais velha fazia a ronda da menina. Num minuto de distração, a guriazinha não teve dúvida chutou o penico esparramando excrementos pela sala. A culpa ficou com a primogênita, a casa empestou e a limpeza sobrou pra mãe, claro.
Neste caso, apesar da raiva que dá de ter que limpar cocô do chão ou secar o xixi no tapete, o melhor é rir. Afinal de contas... criança tem cada uma!

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O mundo tem fome!

Algumas crianças seguem uma ideologia instintiva muito semelhante a da Mafalda, personagem do argentino Quino, questionando as pessoas e os motivos pelos quais estamos no mundo, porque há tanta diferença entre umas pessoas e outras e por aí vai... Outras simplesmente vivem a simplicidade de ser criança. Quando digo isto quero ressaltar que elas não vêem as dificuldades que nós, considerados adultos, colocamos nas coisas, que por vezes são muito, MUITO SIMPLES.
No geral a gurizada tem uma fase em que não quer comer, a alimentação acaba se resumindo as guloseimas que sabemos que elas não deveriam comer e que adoram. Ficam as mães de um lado querendo fazer com que os mandinhos* comam verduras, frutas e troquem o refri pelo suco. Nesta fase a briga na hora das refeições é certa, não há dúvidas.
Eu passei por esta fase lá pelos sete ou oito anos. Meu irmão do meio sempre foi comilão e pelo que me lembro nunca teve este problema, inclusive nos dias de hoje com 30 anos. Fastio nunca foi um problema para ele.
Já o caçula sempre foi magrelo, quase tísico. Com certeza um vento mais forte o carregaria para longe com facilidade. Ele foi, de nós os três, o que mais tempo esteve na fase de pouca comida. Ainda hoje ele fica longas horas sem se alimentar, motivo pelo qual seu estômago dói e não é culpa da fome e sim de uma gastrite, que já o levou ao pronto socorro. Quando ficava sozinho em casa por algum motivo seu prato certo era pipoca. A sua inapetência era motivo de muita briga na hora do almoço lá em casa. Mas ele sempre teve muita presença de espírito, característica que lhe é de grande valia hoje em dia, que causa gargalhada nos colegas do curso de Direito da FURG e que na infância causava irritação por parte dos mais velhos pelo atrevimento das palavras. Numa das brigas para ele comer foi que minha mãe toda paciente e carinhosa explicava pra ele como éramos privilegiados em ter comida em casa. Minha mãe argumentava com ele:
_ Come meu filho, tem um monte de criança na rua que não tem o que comer!
De pronto ele olhou para ela e emendou:
_ Então dá pra elas!
Fim de discussão!!! É esta capacidade que as crianças tem que eu admiro. Pois, se ele não quer comer e tem gente que tem fome  porque força-lo a comer e deixar os que tem apetite famintos?

* Aqui no sul, principalmente em Pelotas, além do famoso guri e guria costumamos usar para denominar os meninos e meninas, também utilizamos piá, mandinho ou mandinha.

Criança tem destas coisas!

Eu adoro crianças, elas são muito sábias e levam a vida numa simplicidade da qual nós, adultos, deveríamos nunca nos desfazer. Uma conhecida minha foi com a filha, na época por volta dos dois, três anos visitar uma amiga que recém tinha ganho nenem. A mamãe de primeira viagem estava empolgada e muito feliz apresentando o bebê as visitas. Helena observa o recém nascido, diz como é "monitinho" e sem rodeios lança a pergunta:
"_ E tu já sabe quem é o pai?".
Como sair de uma saia justa destas se não às gargalhadas?? Minha conhecida explicou constrangida e com o rosto em chamas que a pergunta da menina se dava por causa da novela. Parece piada, causo, mas a verdade é que esta história realmente aconteceu. A guriazinha hoje está na oitava série, com seus 14 anos por aí. Com certeza não lembra do mico que fez a mãe pagar. Mas criança é assim mesmo! Criança tem destas coisas!!!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um sorriso, uma saudade...

Dizem que a nossa memória mais perfeita é a olfativa. Concordo com isto, tem alguns cheiros que me levam lejos e lembro de coisas tão antigas que, se conscientemente tentasse lembrar não conseguiria. Mas tem pequenos detalhes no cotidiano da gente que nos fazem recordar situações impensadas. Um certo sorriso outra noite, por exemplo, me fez recordar uma saudade que há tempos não tinha. Não que ela não existisse ou fosse amena, pelo contrário. Ela sempre foi avassaladora e dolorida e justo por isto fui colocando muitas coisas sobre ela, outros sorrisos, outras brincadeiras, outras sensações, outras, outras, outras...
Tudo para não lembrar daquele sorriso branco em meio a barba negra. Acho que a saudade me fez calar todas as coisas que lembro dele. Fui me "resguardando" do sofrimento abafando as lembranças com mil tralhas, como quem guarda no quarto da bagunça todas as coisas das quais não quer se desfazer, mas que também não utiliza. Foi assim que numa noite um sorriso, também barbudo, me fez lembrar aquele em que eu não pensava. Ao contrário do que temia, descobrir-me pensando no sorriso do Miguel, primo que perdi há mais de 10 anos, não me fez sofrer, não doeu, não teve angústia. Apenas renasceu a saudade de dar um abraço, de ver o sorriso, de ouvi-lo me chamar de preta (aliás, o único que me chamava assim), de tomar uma cerveja ou caipira e dar risadas. Deu saudade dele me dizendo que eu devia deixar meus cabelos crescerem, porque com eles curtos eu estava parecendo uma mulher. Isto quando eu já tinha 18 anos, mas pra ele eu 'inda era criança.
Daí um sorriso, que vai dar saudade, fez lembrar a saudade de um sorriso que jamais será esquecido. E eu descobri que a saudade pode ser boa, apesar de representar a ausência.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Queria ser black power

Hoje, assistindo uma matéria sobre cabelos lembrei de como queria ter os cabelos crespos. Aliás, fui mais além, lembrei dos tempos de guria quando via meu tio Chicão penteando seu black power com o "garfo" no banheiro da casa da minha avó. Lembrei que sempre tive vontade de pegar o "garfo" e armar o meu cabelo.
Eu tenho um cabelo volumoso, quando está comprido, claro! Mas ele não é nem liso e nem crespo com cachos. É um montão de cabelo, apenas. E eu querendo ostentar um black power bem armado tipo Paula Lima, Vanessa da Mata, Tony Tornado ou Jacson Five, porque não? Aí todo mundo diz: "é sempre assim, quem tem cabelo liso quer crespo, quem tem crespo quer liso!". O fato é que quando eu era criança, depois que criei cabelo, porque um certo tempo fui carequinha, minhas madeixas eram encaracoladas. A própria cachinhos dourados! Mas, depois dos quatro anos, primeira vez que cortei os cabelos bem curtinhos, ele ficou castanho mais escuro e ondulado, ou melhor, liso em umas partes e crespo em outras. Mas não tem procon pra reclamar deste tipo de coisa!

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Relacionamentos

Eu não entendo nada de relacionamentos. Tirando a minha família e alguns amigos de longa data, não muitos, tive poucos relacionamentos amorosos na vida. Surpreendo-me quando olho pessoas da mesma idade que eu vivendo (ainda) a paixão como os adolescentes. Não me sinto velha, apenas, acho que não sou deste planeta. Lembro da minha adolescência de forma muito clara. Toda semana eu me apaixonava por um guri diferente. A maioria deles eu simplesmente nem lembro o nome. Era um ciclo, paixão arrebatadora, dias falando no guri, desilusão (muitas vezes sem que o cara chegasse a saber meu sentimento ou tivesse feito algo pra mim, do tipo: não é tão bonito, fala errado, cospe na rua, cheira mal ou não gosta de mim. Tudo da minha cabeça E na minha cabeça), tristeza com o "rompimento", choro e, por fim, o bom e velho "ele não me merece!".
Daí a pouco já estava bem. Nunca vivi em função de ninguém que não fosse eu ou minha família. Minha mãe e meu pai me criaram para ser independente. A frase que mais ouvia era: "tens que estudar, trabalhar, ganhar teu dinheiro e não depender de marido. Tens que ser independente!". Eu eu cresci assim, estudando, buscando ser uma boa profissional, ter qualificações, ter cultura, ser inteligente. Não dei muito tempo para os namoros. Mas sempre me diverti muito, sempre fui a festas, boates, bailes, adoro dançar. Sempre gostei de ter com amigos, mas nunca deixar de fazer algo de que gostava porque alguém não gostava. Vou a praia sozinha, vou ao cinema sozinha, danço sozinha em casa, canto no chuveiro. E gosto de ter meu tempo sozinha.
Acho que isto é que acaba atrapalhando os casamentos. Não o tempo que a pessoa precisa ter consigo, mas a falta deste tempo. Eu entendo que casar, ou juntar, ou namorar é comunhão, é compartilhar. Mas ao contrário do que pensam algumas pessoas não é fundir. Embora a mulher adote o nome do marido ela não deixa de existir individualmente para ser um casal. E quando não se respeitam as individualidades e as diferenças acaba dando errado. Outro dia li um artigo que compara o tema com a matemática, Aritmética do amor de Márcio Ezequiel.
Algumas amigas minhas estão passando por momentos estranhos nos seus relacionamentos amorosos. O mais estranho de tudo isto é que, eu que conto nos dedos o tempo que estive namorando com alguém sou a escolhida para aconselhá-las, sendo que elas, desde que as conheço estão sempre namorando com alguém. Contraditório não? Também acho!
Mas em ambos os casos percebo que o "problema" é semelhante, sendo um deles a falta de maturidade, justamente por terem se envolvido em relacionamentos sérios jovens demais. E o outro é o medo terrível de ficar sozinha, a dificuldade de estar consigo. Neste afã de correr da solidão elas vão se envolvendo em relacionamentos apressados, em situações que as levam a mudar suas personalidades e a se submeterem a circunstâncias que só lhe fazem mal. Óbvio que eu estando de fora enxergo tudo de forma clara e cristalina, enquanto quem está no olho do furacão só consegue perceber o vento que lhe suspende no ar.
Eu não sei o que dizer a elas, todos os argumentos que tenho, tudo o que penso sobre seus relacionamentos não tem base científica ou psicológica. É pura especulação! É intuição, nada mais. Assim como meus pais, que intuitivamente me criaram para ser feliz comigo mesma sem depositar ou esperar dos outras a felicidade, eu aconselho minhas queridas amigas a viverem bem consigo mesmas. Confesso que não é fácil se conhecer bem e respeitar-se. Muitas vezes a gente pensa que o melhor mesmo é ser como no passado, apenas uma SRA. Fulana de Tal e colocar sobre os ombros do nosso marido todas as frustrações que temos. Afinal de contas é sempre mais fácil culpar os outros a encarar que somos nós os responsáveis pelo erro.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Duas meninas, duas histórias e duas escolhas

Pelo conhecimento da doutrina espírita sempre fico martelando na minha cabeça o quanto não devo julgar o outro pelas suas atitudes e ações. Ao olhar pra alguém não sabemos o que ela carrega dentro de si, sua história, suas marcas, seus estigmas. Mas comparando, e eu sei que a gente não deve comparar, algumas histórias e situações não dá para não julgar um pouco. Não julgar no sentido de culpar, punir e criticar. Digo analisar, refletir cada uma das situações e achar algumas coisas injustas, algo que às vezes parece ingratidão, coisas que parecem puro capricho de gente mimada. Nada de apontar o dedo e dizer, "tu tá errado", não. O objetivo é aprender, é tentar compreender. Enfim... Vou contar duas histórias, que não tem ligação alguma, a não ser o meu olhar, claro. Que são contraditórias mas bons exemplos de como se comportar diante de duas escolhas a vida e a morte.
Tatiana nasceu numa família pobre, muito pobre. Pais sem nenhuma formação escolar e muitos irmãos para dividir tudo. A economia doméstica não era o forte da família e grana nunca estava sobrando. Desde muito cedo apresentou problemas de saúde, anos mais tarde de uma primeira internação em Porto Alegre foi diagnosticado um diabetes e uma grave doença no fígado, cirrose hepática. Seu abdômem acentuado desde a infância já denunciavam sua enfermidade, que por falta do tratamento adequado só agravou-se. Seu desenvolvimento não era como das outras crianças, a subnutrição era evidente no seu corpinho mirrado de adolescente de 18 anos e sua feição, ao mesmo tempo tranquila e triste se contradiziam. No corpo pequeno parecia uma criança por volta dos 10 anos e no rosto marcas de expressão que demonstravam de forma nua e crua o seu sofrimento e os sacrifícios porque tinha passado.
Tatá nunca recebeu tratamento especial de sua mãe, muitas vezes o medicamento obrigatório não era comprado por falta de dinheiro e por descuido mesmo, pra não dizer puro desinteresse. A alimentação que devia ser diferenciada, balanceada e respeitada era segundo plano na casa. Era ela mesma quem lutava com as panelas, fazendo a suas refeições e do restante da família. Tudo era mal cuidado, sua saúde, a casa não tinha higiene adequada, a comida não era separada, a insulina faltava, tudo indicava que aquela fuga do hospital de Porto Alegre era um indício de que a mãe não tinha nenhum interesse pela filha. Ou melhor, que para a mãe apenas suas necessidades eram importantes e estar com uma filha em outra cidade, longe de suas "prioridades", não era legal.
Não foi legal permitir que uma criança sofresse calada, com aquele sorriso singelo, com seu comportamento sempre sem revolta. A mãe não estendia a mão para a própria filha, ela nunca cumpriu o seu papel de mãe. Mas Tatá era abnegada, tal como a descreveu uma amiga, era um anjo que estava sempre pronta para ajudar, sempre tinha um sorriso guardado para cada um que lhe chegava.
A gravidade da sua enfermidade ia aparecendo a cada dia. Sua barriga ia crescendo sempre e sempre, a alimentação era precária, mas ela não desistia. Foi internada numa outra vez. O caso havia agravado demais. O sorriso ainda estava mantido em seus lábios, mesmo no momento mais crítico, mesmo com a possibilidade de morte prestes a acontecer.
Como disse, esta é a história de duas meninas, que nunca se conheceram, que tinham pouca diferença de idade, mas que apesar de algumas semelhanças tem algo oposto em suas escolhas. Laila é uma menina que nasceu de uma relação de amor, embora por algum tempo, talvez ela tenha pensado que não. Sua história também é trágica em alguns pontos. Logo aos primeiros anos de vida perdeu o pai num acidente de motocicleta. Um ano depois sua mãe cometeu suicídio. A causa não é sabida. Dizem que há ou havia um diário, mas não houve carta de despedida. Foi então com seis para sete anos que ela foi para a casa dos avós paternos. É óbvio que a situação não era a mais agradável, afinal agora ela era uma órfã. Mas estava sendo recebida na casa de seus avós, familiares queridos, com quem sempre convivera. Para os avós a situação também não era a mais tranquila, de um lado havia uma avó, cheia de dor e tristeza pela perda de dois filhos; e de outro o avô, também sofrido.
A criança chegou numa casa pronta, aonde ela não era mais o centro das atenções, haviam outras crianças, havia outra constituição de família. As coisas não foram fáceis. Os adultos não sabiam como agir, o que fazer. Ela por sua vez, não se sentia parte daquele lugar. Não entendia o que e porque tudo aquilo havia acontecido com ela. Justo com ela.
Mal ou bem, frustrando as expectativas ou atendendo ela foi acolhida pela sua família. Nunca lhe faltou alimento, jamais lhe faltou moradia, roupas, incentivo para a escola ou o trabalho. No entanto, Laila buscava outras coisas. Seu modo quieto e tímido demonstravam uma superficial tranquilidade e aceitação resignada. Mas por dentro ninguém sabia o que se passava. Sua saúde física era ótima, mas talvez emocionalmente as coisas estivessem prejudicadas.
Enquanto Tatá precisava lutar pela sua saúde, esforçar-se para conseguir uma boa alimentação, cuidar da casa e dividir suas coisas com vários irmãos. Laila tinha tudo, a saúde, uma boa casa, valores em dinheiro guardado, alimentação nas horas certas. Mas uma lutava para sobreviver e a outra não tirava da mente a intensa vontade de morrer. No hospital Tatá sorria enquanto a vida se esvaia de suas veias. Laila foi levada para o pronto socorro para que lhe fosse injetado vida, mesmo que sua vontade fosse de dormir sem precisar acordar. Ela se negava a viver, acorda, dorme, toma banho, faz as coisas mas por obrigação. Sua opção foi agir como se já estivesse morta, enclausurada em seu quarto. Tatá por seu lado queria muito poder sair, sentir o calor do sol.
Uma escolheu viver, mesmo que aquilo fosse por poucos momentos, o importante era viver intensamente, sentir sua vida pulsando nas veias. A outra queria que tudo que fosse vivo em seu corpo se esvaísse, que o coração pulsasse pela última vez. Uma sorria apesar da certeza de que não viveria mais por muito tempo. A outra chorava por não entender como não conseguia dar cabo de sua própria vida. Uma acreditava ser amada apesar de tudo dizer o contrário. A outra queria um amor que jamais poderia voltar a ter e mesmo que muitos lhe demonstrassem amor ela preferia não o receber. Uma partiu jovem, deixou pessoas tristes e gente culpada porque acreditava que devia ter feito algo, que precisava ter feito mais por ela. A outra não queria que ninguém fizesse nada, porque nada do que fizesse mudaria o que ela sentia dentro. Não havia explicação do que se passava com ela, não compreendia e não entendia como explicar seus sentimentos.
Duas meninas, duas histórias e duas escolhas. Cada uma das gurias fez uma escolha para suas vidas e mesmo que se esforçassem para que acontecesse suas escolhas aconteceram ao contrário. Quem queria viver desencarnou jovem. Quem queria morrer foi salva. Talvez não fosse a demonstração de amor que ela quisesse ter. Talvez ela pense que aquilo foi feito por obrigação, por culpa e ela não queria aquilo. Cada uma agiu de uma forma, tomou a sua decisão. Mas nem tudo saí como a gente escolhe. É difícil não comparar, uma não tinha nada e a outra tinha tudo. Uma tem a vida pela frente a outra, é hoje apenas lembrança.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Uma prece pr'ocê

Tem lembranças que nunca se consegue esquecer, por mais remota que seja. Eu lembro bem de quando fui dar banho nos gatinhos da Lili e os matei afogados num tanque cheio de água e sabão. Sinto culpa até hoje, não foi uma coisa de caso pensado, na verdade eu nem pensei. Não queria matá-los. Só dar banho! Mas criança né? Pensei que era quem nem a mãe fazia com a roupa coloca de molho um tempo, depois torce.
Também tem uma lembrança que guardo bem quietinha na minha cabeça. Talvez meu pai nem lembre disso. E esta recordação veio a tona depois que uma médium, que me deu um passe no centro espírita, disse para convidar meu pai para fazer uma oração. Não veio como um filme, não.
Veio de forma progressiva assim...
Quando eu era criança, pelos seis ou sete anos, numa noite de inverno a minha mãe foi ficar com minha tia e minha prima Graciela no hospital. A Nêga, como a chamamos, é uma prima muito querida, seis anos mais nova do que eu. Quando criança sofreu muito com doenças respiratórias e nos períodos de frio rigoroso acabava precisando algumas vezes ser internada para nebulização. Nem faz tanto tempo assim, mas não era tão fácil as famílias terem dinheiro, cartão de crédito ou coisa parecida para comprar um nebulizador. Por isso era preciso internação hospitalar.
Numa noite destas minha mãe foi acompanhar a tia Rosa. Meus irmãos e eu ficamos com o meu pai. Então o pai veio nos explicar que a mãe "dormiria" fora porque a Graciela estava doente no hospital. Naquela época seguidamente ela estava indo para o hospital com crises respiratórias. Daí, disse pro pai que ela já tinha estado no hospital e se era grave. Foi então que ele nos convidou para rezar pedindo por ela. Quando fecho os olhos lembro daquela noite. Meus olhinhos fechados, as mãos juntinhas e o pai puxando a reza.
A fé é algo incontestável, principalmente a fé de uma criança. Nós rezamos pela Nêga, no centro espírita do meu padrinho foram feitos trabalhos e simpatias, tudo buscando que a sua saúde melhorasse. Tudo junto resultou na cura dela.
Ainda criança eu acreditava que tinha sido aquela oração junto com meu pai e meus irmãos que tinha promovido a cura. Não podemos saber, o importante é que o objetivo foi alcançado.
Desta vez, eu tenho que ficar a vontade para convidar o pai para fazer uma oração. Tenho que abrir o coração, deixar a vergonha de lado, dar a mão e em comunhão falar com Deus.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

A copa da minha vida

Desde que eu me lembro, me dou por gente, eu gosto de copa do mundo!
Lembro um pouco vagamente a de 1982, confesso que misturo algumas lembranças desta com a de 1986. Mas tenho desculpa, em 82 tinha apenas cinco aninhos. Já em 1986, guardo na memória a triste lembrança do Careca saindo de campo apoiado em outros jogadores, os pênaltis perdidos por Sócrates e Zico, o galinho de ouro. Esta sim, acabou comigo e arrasou meu coraçãozinho de torcedora mirim. Na época não gostava do Casagrande, ou melhor, já não gostava. Também não era muito fã do Júnior, gostava um pouquinho do Zico, até ele perder aquele pênalti, fiquei muito de cara com ele. Mas amava de paixão mesmo era o Muller, este sim morava e mora no meu coração.
No entanto, a Copa da minha vida foi a de 1994. Foi o tetra Campeonato com Romário, Bebeto, Dunga, Cafú e todo o povo erguendo a taça do mundo "que era nossa".
O melhor de tudo era a preparação para os jogos, o quentão, as pipocas, o juntamento com os primos na casa da tia Semita, a bagunça a algazarra quando vinha o grito de gol.
Todos os jogos estavam já programados, era na casa da Preta e do Atila, com a Lili, o Marcelo, o Vinicios, a Scheila, eu e mais um povo. Depois começou a crescer a torcida e veio a Adriane, o Guto (que sempre torce contra a seleção), a Nara, o Zizo, a mãe, a tia Ieda, Tia Semita, Tio Zé e quem mais aparecesse. As vezes faltava espaço pra sentar e a gente ia para o chão. Pulávamos juntos quando o gol saía e xingávamos com palavrões quando o juiz não dava o pênalti que a gente achava que era. Deve ter sido nesta época que aprendi o que é lateral, tiro de meta e escanteio. O tal do impedimento às vezes é esquecido num cantinho do cérebro, mas eu sei.
Também deve ter sido por ali que comecei a gostar dos zagueiros, os caras fortes e bravos que fazem a defesa. Ricardo Gomes, Ricardo Rocha, Aldair. Depois veio o Lúcio, que nesta copa da África foi, sem sombra de dúvidas e, digo sem medo de errar, o melhor, eu disse, O MELHOR JOGADOR DA SELEÇÃO CONVOCADA PELO DUNGA. Aquela copa de 1994 foi sofrida hein?! Nossa decisão em pênaltis e o Taffarel para salvar nosso coração que quase saiu pela boca quando disseram que a decisão seria daquela forma.
A gente já tinha expulsado o Guto da sala porque ele só azucrinava a gente torcendo enlouquecido pela Itália, naquela final dramática. Eu e as gurias elogiávamos o belo Roberto Baggio, sem saber que mais tarde seria ele quem nos ajudaria a conquistar o tetra campeonato mundial de futebol nos Estados Unidos. Aquele placar zerado me dava uma aflição tremenda. Nem o meu ídolo Romário, nem Bebeto tinham conseguido balançar a rede e estávamos em estado total de ansiedade.
Vai que os jogadores vão para o centro do campo, decide-se qual a goleira que será usada para as cobranças e Parreira escala Aldair para bater o primeiro pênalti. O Vinícios, que joga futebol e adora, levanta do sofá e diz enfático: "vou embora zagueiro não pode bater pênalti!"
Aquela frase nunca mais saiu da minha cabeça! Mas ainda assim eu disse pra ele, "o Aldair é bom!" Ele respondeu: "mas é zagueiro!" E ele não ficou na sala, saiu para rua e ficou na frente da casa. Depois da terceira cobrança, a segunda do Brasil ele voltou. A ansiedade era gigante e foi então que a Itália já tinha perdido um pênalti, mas a angustia daquele jogo não acabar não diminuia. Vai que Baggio vai todo seguro, bonitão bater o pênalti. É só ele e o Taffarel, e o nosso goleiro é muito bom. Mas o Taffa nem precisou fazer muito esforço porque o italiano chuta bem embaixo da bola e ela sobe, sobe, sobe e vai por cima do travessão dando o título para o Brasil.
O grito de tetra invade a sala, as ruas, o Brasil. Os jogadores emocionam o país homenageando o nosso querido Airton Senna da Silva, que morreu naquele ano. Esta copa ficou na minha memória para sempre, não consigo esquecer alguns lances, comemorações e principalmente a comunhão da minha família. Nunca mais uma copa do mundo foi igual. Em 1998 foi triste, 2002 eu estava em Ijuí, terra do Dunga, 2006 lembro bem pouco, claro, a cabeçada de Zidane é inesquecível. 2010 ainda está acontecendo, agora torço pela Espanha. Mas nenhuma das copas que vieram depois de 94 mexem tnato comigo. Quem sabe 2014??? Quem sabe...

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Personagens da infância

Toda vez que penso nisso, fico com medo de chegar a conclusão de que realmente sou maluca. É que a maioria dos personagens de desenho animado que as outras crianças tinham medo ou não gostavam eram justamente os que eu gostava. Eu já cheguei a falar sobre isto n'outro post há um tempo atrás. No "Sítio do Pica-pau Amarelo" meu personagem favorito era a Cuca. Meus amigos dizem que sentiam medo dela, eu adorava, me identificava a beça. Principalmente, quando ela, se olhando no espelho, dizia com a maior auto confiança do mundo, "lindona, lindona!". Depois dela amava o Saci, ádorava suas traquinagens, o gorro vermelho e seu rodopio. Nunca fui muito de gente assim... muito-muito boazinha. Também gostava da Tia Anastácia, pode ser que em relação a esta as explicações venham de outras encarnações esquecidas providencialmente.
Minha heroina era a Mulher Maravilha. Meu sonho era sair na frente da minha casa e num "giro simples" me transformar da mulher comum, trabalhadora na super heroina linda e forte. Confesso que algumas vezes tentei, mas não tive muito êxito. Acho que a árvore que tínhamos na frente de casa não era o mesmo tipo daquela aonde ela se transformava. Hoje em dia não sei não se gostaria de andar com um tomara que caía com as estrelas dos EUA.
O meu herói favorito ficava verde de raiva. Na verdade, de todos os super heróis o incrível Hulk era o que mais me parecia semelhante a nós, gente. Outro dia minha amiga Jannah disse que sentia medo dele.
Além de gostar dos personagens "estranhos" e "diferentes" eu não gostava daqueles que a maioria das crianças gostava como o Popai e a Olívia Palito. A doida aqui não gostava! Também não gostava e ainda não gosto, da Xuxa. Na Caverna do Dragão tinha pavor daquela Uni. Tanto ela quanto o gurizinho me irritavam demais!!!
E por aí vai...
Será que Freud explica? Tenho lá minhas dúvidas quanto a isso, só tenho certeza de que nunca quis ser igual as outras pessoas. Na minha adolescência customizava roupas, usava camisas e camisetas do meu pai, com muitos acessórios, claro! Enquanto minhas amigas queriam namorar e beijar na boca eu estava pensando em estudar e adquirir a tal independência que minha mãe tanto falava. Eu queria mesmo ser artista, dançar pela vida afora, dar muitas piruetas. Mas nunca quis ser paquita, pelo contrário, achava muito bobas. Enquanto as gurias queriam ser louras eu comecei a pintar meu cabelo de vermelho. Quando todas achavam que as bruxas eram más e queriam ser fadas... Eu queria mais era uma boa bruxa, voar na minha vassoura (apesar de ter medo de altura), fazer poções mágicas e magias, cultivar ervas no meu quintal e dançar pra lua cheia.
Esta sou eu, uma luna em fases, uma imprensa nanica, uma apaixonada pela natureza, uma maluca beleza, com dias de fúria. Fiz terapia sim, me encontrei e me entendi. Algumas vezes a conexão falha e parece que as coisas não funcionam, mas é só respirar fundo e tomar um café que logo-logo o provedor coloca tudo no caminho.
Enfim, comecei falando nas personagens e viajei legal na maionese. Quem me conhece sabe que sou assim, um assunto puxa o outro e a prosa entra madrugada adentro. Caso algum psicólogo queira fazer um diagnóstico.. é só mandá-lo por email. Ah! E por favor, se for caso de internação, não digam nada pra minha família. Valeu!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Chá de laranja com aspirina

Nos dias que me acordo com a cabeça como se tivesse cheia d'água, o nariz entupido que mal dá pra respirar, o corpo dolorido e a garganta raspando só consigo lembrar de como era bom aquele tempo de criança quando minha mãe me dava de noite um cházinho de laranja com uma aspirina dentro e no outro dia eu estava renovada. Tá certo, a idade chega pra todos, fazer o quê né?! Mas um gosto tão singelo me remete aquele tempinho. Sim, porque mesmo não sendo mais criança minha mãe continua me levando cházinho de laranja na cama. O resultado não foi o mesmo. Talvez tenha sido pela falta da aspirina.
Lembro que a pior coisa de estar doente quando criança era não poder brincar, não poder sair pra rua, enquanto meus irmãos andavam por lá jogando bola e correndo. A questão é que geralmente irmãos na mesma faixa etária de idade acabam adoecendo junto.
Só que lá em casa a coisa era diferente, eu ficava doente e meu mano raramente ficava. Minha mãe dizia que era porque ele era muito arteiro. Ele sempre foi, e ainda é, inquieto, mexe com todo muito, amassa um, abraça outro e escabela outros tantos, não consegue ficar quieto. Desta forma, como ele sempre foi assim, eu tive cachumba, contagiei a turma toda e ele nada. Antes disso tive hepatite A e ele nada. Desta vez eu tinha que ficar em repouso, minha cama foi para o corredor para evitar que os guris ficassem doentes e meus pertences ficavam separados. Mas o que mais me deixou de cara foi a catapora. Gente! Eu tive tanta ferida e tanta febre que nem sei.
Estava passando uns dias pra fora na casa da vó Didi, já contei dela pra vocês. Tivemos que vir antes do previsto porque ela ficou com medo que a doença agravasse. Pelo telefone a mãe disse que o mano também estava com catapora. Sim, estava, meia dúzia de feridinhas na barriga e olhe lá. E eu com ferida até no céu da boca. Não conseguia comer porque até na garganta tinha catapora. E lá estava eu esperando a catapora passar enquanto meu irmão tomava banho de chuva no pátio.
É incrível!!!! E mesmo que a mãe cuidasse pra ele não ficar comigo pra não se contagiar da doença, virava e mexia ele aparecia pra me achacar, pra brincar, só pra olhar pra minha cara ou pra gente brigar. E ele tinha sorte, das doenças mais graves que tive ele nunca se contagiou.
Bom mesmo era quando tínhamos gripe, daí ficávamos juntos deitados no sofá, tapados de cobertor vendo televisão e esperando o cházinho de laranja com aspirina. É claro que esta calma só acontecia por alguns minutos e logo ele saia a fazer suas artes por aí.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Ditado popular escatológico

Eu gosto muito de ditos e ditados populares. Desde criança eles habitam minha imaginação, tal qual as charges do André Macedo com o Betinho imaginando as palavras.
Tem alguns ditados que a gente só compreende depois de muito tempo. A minha mãe, quando estava fazendo alguma coisa em casa e eu ou meus irmãos íamos pra volta sempre dizia: "fica perto de quem tá cagando, mas não fica perto de quem tá trabalhando". Não é um linguajar muito bonito para uma mocinha né? Mas meu irmão que fez oficina de literatura disse que o escritor não pode ter pudores. Então...
Bem, voltando ao ponto da questão...
Na época eu não entendia, porque, pra mim, ficar perto de quem tá cagando não é muito... cheiroso, digamos assim. Não fazia sentido e não era agradável. Por outro lado, hoje quando estou fazendo alguma atividade doméstica e preciso virar pra um lado, pegar alguma coisa e minha sobrinha está no caminho, bem pertinho de mim lembro da mãe e seu ditado escatológico. Agora sim faz sentido! Perto de quem está "no trono" não o atrapalharíamos, a menos que a pessoa seja do tipo envergonhada e que não consegue fazer as necessidades fisiológicas com alguém por perto.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Quiii teeempo bom, que não volta nunca mais...

Na nossa família tudo vira festa e pode, também, virar briga. Tudo dentro do contexto, claro!, brigamos entre nós. Mas entre nós. Aí de quem vir falar mal de alguém para outro familiar! Aí sim é que a briga fica feia. Mas no geral somos da paz, mesmo que pareça que estamos brigando. É que todos falam alto. Na roda de chimarrão as conversas se misturam e o que está numa ponta vai lá e responde para o que está na outra, tudo em alto e bom tom, cada um em seu lugar. E já que estamos todos juntos vamos fazer alguma comilança. É assim... uns contam piadas, outros fatos da vida que mais parecem piada, fazemos comentários sobre a vida alheia, adotamos namorados e namoradas dos primos como se fossem da família, bebemos (se não tem bebida a gente faz uma vaquinha pra comprar, geralmente esquecemos o refri), comemos (aqui também se faz vaquinha, mas geralmente cada um leva umas batatas, uns pedaços de carne e galinha e tá pronta a comilança), nos unimos nos momentos difíceis, mas bom mesmo é quando é festa.

Das lembranças da minha infância o ajuntamento na casa da vó Mália é o que mais nítido eu trago. A casa sempre estava cheia, muitas crianças, entre elas eu, os tios e tias conversando da vida e a cozinha do fogão a lenha. Talvez seja por isto que lá fora eu fico do lado do fogão no inverno e no verão.
Aquela cozinha era disputada por tanta gente que sempre ficava uns dois ou três pra fora. Era neste cômodo que a mulherada tomava chimarrão, que a vó cozinhava o risoto de domingo, que fazíamos batucada até altas horas.
Lembro de uma vez que meu tio Chicão tava num bar perto dali. Daí vieram avisar que ele tinha brigado na venda. Lá vinha o Chicão, triste, chorando. Ninguém sabia o que realmente tinha acontecido. Todos o interrogavam e ele chorava. Todos já alterados, preocupados que tivesse acontecido algo de grave, até que ele disse entre lágrimas:
_ Quebrei meu violão na cabeça daquele filho da puta!
_... e tá chorando por que?, alguém indagou.
_Por causa do violão.
Era meu tio Chicão que puxava a cantoria na cozinha do fogão a lenha. O batuque acontecia no fundo do balde, outro chacoalhava uma caixa de fósforo, outro fazia um som com duas colheres e todos soltavam a voz a plenos pulmões. "Quii teeempo bom! Que não volta nunca maiiisssssssssssssssssss!" Essa é a música do Chicão, não tem uma vez que eu escute essa música que não lembre dele. E onde tem batucada tem gente dançando.
De fora podia ser que alguém, um entendido em música considerasse aquilo uma afronta, um horror! Mas para nós aquilo era uma festa! Celebrávamos mesmo sem data especial. Comemorávamos o simples fato de estar juntos. Na minha família é assim, rimos, festejamos e choramos todos juntos, não importa se o sacrifício é grande e a estrada é longa. Estamos juntos e isto nos basta.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Recebidas por email

Outro dia recebi por email a mensagem que reproduzo logo abaixo. Não me considero afetada por ela, pelo contrário. Fui criada pela minha mãe e pelo meu pai para ser uma mulher independente. Nenhum deles me incentivou a casar e ter filhos. Diziam que eu deveria estudar e trabalhar, ter uma profissão e depois, mais tarde casar, se encontrasse alguém. Embora não acredite em príncipe ou homem perfeito, mais de uma vez me disseram que eu encontrarei meu príncipe encantado. Gosto mais da versão daquelas pessoas que dizem que encontrarei um companheiro que me amará assim como eu o amarei.
"Era uma vez um rapaz que perguntou a uma garota se ela queria casar com ele.

A garota disse NÃO.
E assim ela viveu feliz para sempre sem lavar,sem cozinhar, sem passar roupas para ninguém,saindo com suas amigas, ficando com quem queria, gastando seu dinheiro consigo e sem trabalhar para ninguém.

FIM


O problema é que não nos contam isto quando somos pequenas
Nos enchem com o conto do maldito príncipe azul!

Para todos aqueles homens que perguntam: para que comprar a vaca se posso ter o leite gratuito, temos que dizer: Hoje em dia 80% das mulheres estão contra o matrimônio. Por quê? Porque as mulheres se deram conta de que não vale a pena comprar o porco inteiro por uma salsicha."


Talvez por isso, e ele irá se encher de grau, tenha gostado mais da versão de protesto escrita pelo meu amigo, inteligentíssimo e bem humorado, Cláudio Azevedo Fuhrman, que reproduzo logo abaixo o email dele e a estória.

"De todo o "textículo", não vou te xingar, pois gostei da parte que diz "Agora , envia esta mensagem ...a um homem compreensivo, nobre e com bom humor que tenhas a sorte de conhecer .
Como sou otimista e vejo o lado bom de tudo, vou recontar esta história, com um final menos solitário.

Vejamos…
Era uma vez uma garota compreensiva que sabia que o homem perfeito não existe... , mas inteligente sim..., e que teve a sorte de conhecer um homem inteligente.

Como ele era inteligente...

...dividia com ela àquelas tarefas, que as modernas máquinas ainda não fazem.
... propôs a ela que o melhor era fazer refeições fora... refeição em casa, só com aquele vinhozinho esperto, música de fundo e a lingerie sensual...
... gastava mais com presentes para ela; e ela descobriu que bom mesmo é presentear aos outros, do que a si mesmo...
...deixava ela sair com os amigas, com a condição que ele poderia fazer o mesmo.


Era uma vez uma garota... que descobriu que a compreensão, a nobreza, o bom humor só são transmitidos quando recebidos e que o gostoso da vida a dois está, não na tentativa de mudar o outro e, sim, no desafio diário de achar a melhor forma de resolver as diversidades, sempre com compreensão, nobreza(que é irmã do respeito) e bom humor... de ambas as partes..."

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Decepção

A decepção só acontece porque nós nos iludimos tanto com alguém, ou alguma coisa, que não conseguimos ver a essência. A decepção é uma surpresa ruim. Mas não é aquela surpresa ruim que nós inventamos. A que inventamos funciona mais ou menos assim, queremos muito uma blusa que experimentamos numa loja e ficamos pensando, bem que fulano podia me dar esta blusa né? Mas não contamos ao fulano que a queremos. Só que é natal e já compramos aquele livro ou Cd que ele falou que queria comprar. Então esperamos pela surpresa. A surpresa começa pela leitura do nosso pensamento, da adivinhação das nossas vontades, que responda com as exatas palavras com que sonhamos. Mas algumas pessoas, os homens especialmente, são distraídos por natureza. Então que compram um perfume ou uma lingerie, ou uma outra coisa qualquer que eles imaginam que queremos. A surpresa ruim é não ter ganho a blusa.
Quando nos decepcionamos com alguém a situação é bem mais intensa e profunda. Tem quem sinta dor física, dependendo do tamanho da decepção. Nós olhamos para tudo aquilo e não acreditamos, ficamos rebobinando a fita da memória tentando entender como as coisas foram acontecer daquele jeito e, é claro, em vários momentos nos culpamos. E a culpa é realmente nossa por termos criado uma imagem perfeita, muito aquém daquele ser que está ali. Não porque a nossa ilusão seja melhor, mas porque na nossa idealização tudo saí como a gente quer.
No entanto, tem alguma coisa naquela ilusão toda que é verdadeiro. Que seja amor ou amizade, mas de alguma parte tem que ser real para que a decepção aconteça. Até porque... se nenhuma das partes tem verdade na relação... não existe relação e ambos estão protegidos da decepção e da tristeza.
Em 32 anos de vida não lembro de ter tido decepção. Tive várias tristezas, amores não correspondidos, amigos que se afastaram com o tempo, outros que não eram tão amigos assim. Mas decepção que me levasse a fazer uma revisão nos meus valores e no meu modo de agir com meus amigos é a primeira vez. Existem pessoas que não são sinceras com a gente e mesmo que tentem disfarçar se pode perceber na sua maneira de olhar, em alguns vícios na maneira de falar sua falta de sinceridade. Por outro lado, há pessoas que são sinceras até demais, que mantém a relação de forma saudável, só que um dia qualquer, por um motivo qualquer mostram uma face que desconhecemos. Agem de forma inesperada, dizem coisas que jamais diriam, fazem coisas que não fariam antigamente. É neste caso que a decepção nos parte ao meio. Nos faz perceber o quanto nos iludimos na defesa de algo que apenas nós sentíamos ou entendíamos. É como a secretária ter um caso com o superior no escritório, um belo dia ela recebe a demissão. Ele a demitiu porque a mulher descobriu o caso, mas disse que foi por outro motivo. A decepção dela não é por ter sido demitida, mas por ele não ter tido a decência, a compaixão, a dignidade de dizer a ela o que aconteceu. Deixou que ela fosse pega de surpresa, despreparada. Ela se sentiu humilhada, traída, arrasada. Ele misturou um assunto particular, pessoal com um profissional.
Ela se sentiu arrasada porque sabe que n'outra situação semelhante o chefe lhe diria o motivo da demissão e neste caso ela sabe o motivo, assim como sabe que é injusto.
Minha sensação de decepção é parecido com este. Não há explicação que faça o sentimento de ter recebido uma rasteira passar. O coração se partiu e agora a decepção deu lugar a um cansaço tremendo.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Esse vento que nos "contrareia"!

Algumas coisas aprendemos com certa rapidez (considero que aprendo com facilidade), outras só são compreendidas a duras penas. É claro, que se incarássemos a vida de uma forma tranquila, natural e leve tudo seria muito mais fácil. Como na música do Zeca Pagodinho, se deixássemos "a vida nos levar", aceitando o que vem de bom e de ruim, seríamos mais capazes de nos permitirmos ser felizes. Tá certo que tem momentos em que é bem difícil ver o lado bom daquela "catástrofe" que nos acontece. O que não podemos é perder a capacidade de olhar pra trás e, se não conseguirmos enxergar o lado bom, pelo menos, aprender com o ocorrido.
O vento é assim, é como a vida. Ele nos leva se quiser, mesmo que a gente não queira, que nem a vida. Então, como o vento é como a vida, tenho aula de reforço todo o ano, porque... gente... eu moro em Pelotas, já vivi em outras cidades, mas nunca estive num lugar que tivesse tanto vento por tanto tempo ao longo do ano. Sendo assim, aprendi um pouco, bem pouquinho, com o vento, a deixar a vida me levar assim como ele, levava meus cabelos.
Ele é um professor insistente. Quando saímos a rua e é o seu dia, não adianta gel, nem laquê, nem presilha de cabelos. O penteado despenca, a boca e os olhos ficam com areia, as roupas voam e nas esquinas parece que quem irá voar somos nós. Até mesmo os passarinhos, acostumados a planar ao seu gosto, tem dificuldade de se manter numa direção.
Foi assim, a duras penas, jogando muitas vassouras no chão e até chorando que a Gilda aprendeu que, em dia de vento é impossível varrer. Vamos a história.
Como contei, a Gilda, minha prima, morou conosco durante um tempo. Fazia companhia pra vó Cela, cuidava um pouco de meus irmãos e de mim e ajudava a mãe em alguns afazeres.
Um dos afazeres que mais lembro da Gilda fazendo era varrer o pátio. Tínhamos um pátio grande, comprido, com duas garagens. Nos fundos do pátio, próximo a casa da vó tinha algumas árvores frutíferas, entre elas uma parreira, que perdia normalmente suas folhas e nos dias de ventania ainda mais.
Então lá ia a "Xita", vassoura em punho, determinada a acabar com a sujeira do pátio. Vinha dos fundos para a frente numa tentativa vã de vencer o vento que soprava da frente para os fundos. Com seu jeito meio doido e desajeitado ela esbravejava no terreiro contra o vento. Daí mudava a estratégia. Para enganar o vento e pegá-lo de surpresa ia para a frente da casa e vinha varrendo espevitadamente. Ao que o vento respondia com um redemoinho levantando as folhas e a terra do chão no rosto da Gilda, como se desse uma baforada de cigarros na cara dela, com a diferença de ser poeira ao invés de fumaça. Que raiva que ela sentia daquele vento danado, cretino e desavergonhado, que levanta a saia das moças na esquina e não deixa que uma trabalhadora varra em paz o pátio da casa. Nessa hora ela não se continha e gritava chorando:
_ Ôh! tiia! Olha aqui este vento tia!
A minha mãe rindo disfarçadamente dizia:
_ Muda de lado Gilda, varre pro outro lado.
Era então que mais uma vez, lá ia a Gilda para os fundos da casa recomeçar a varrição. E bem que tentava varrer. E bem que tentava não se deixar vencer pelo sopro que levava para onde já estava limpo toda a sujeira. A Gilda não aguentava isso e se rendia, chorando e gritando como em surto, jogava a vassoura no chão:
_Olha aqui tiia! Esse vento só me "contrareia"!
Ô Gilda, como o tempo passou! E como ele nos contrariou tantas e tantas vezes naquele pátio. Varríamos cada uma de um lado, na tentativa frustrada de sermos mais rápidas que o vento. Quantas vezes corremos por lá. Quantas vezes apaguei a luz para te assustar depois de uma "sessão noturna" de filmes de terror. Mas o tempo, assim como o vento que remove montanhas carregando-as grão por grão, foi nos levando pra longe uma da outra. Não é à-toa que se fala nas areias do tempo, aquelas que escorrem pela ampulheta. Assim como elas, fomos pouco a pouco nos afastando. Hoje, a semelhança dos tempos da tua adolescência e da minha infância, tens muitas responsabilidades, marido, filhos, um bar para cuidar. Bar este onde "é proibido entrar bêbado, mas sair poooode"!
Agradeço muito a ti por ter sido tão presente na minha vida, por ter me dado tantas boas recordações. Lamento apenas não ter dito o quanto te amo, o quanto és especial para mim. Quem sabe, jogando estas palavras no vento, um dia eu tenha a oportunidade de te dizer tudo isto? Pode ser que ele não nos "contrareie".

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Nomes bons para gritar

Tem nomes que parece terem sido feitos pra gente gritaaarrrrrrrrrr até ficar rouca. Não que eu saia pela rua gritando o nome das pessoas. Na verdade, quando eu vejo um conhecido na rua faço "psiu!", coisa, aliás , que eu não respondo quando fazem pra mim. Mas eu digo que tem nomes bons para gritar por causa da minha avó paterna. Eu não conheci meu avô paterno, pessoa muito boa, pelo menos, é o que se pode supor de alguém, mesmo sem conhecer, que se chama Gentil. Ele me conheceu. Chamava minha mãe de castelhana, porque ela sempre estava com o chimarrão do lado, e a mim de potranquinha. Não tenho lembrança alguma dele. Ao contrário da Vó Cela, desta sim tenho inúmeras imagens guardadas na memória.
A vó Idorcelina, mais conhecida como vó Cela foi morar lá em casa quando eu era bem criança, devia ter uns nove anos, acho... Ela morava nos fundos da nossa casa, onde tinha o quarto e a cozinha dela. Junto com ela vivia a minha prima Gilda, que deve ser uns cinco ou seis anos mais velha que eu. Nós aprontávamos muito, lá em casa éramos muito ligados a "Xita", como chamava meu irmão.
Foi um tempo muito bom, do qual guardo ótimas recordações. A vó fazia umas comidas que eu adorava, entre elas a canja e um picolé de chocolate, que ninguém sabe a receita. Ela fazia mate na casca da laranja de umbigo e era uma delícia. E este, mesmo sabendo como fazer, não é a mesma coisa. Porque aquele mate doce na laranja tem um gostinho de infância, de meninice, como diriam os poetas, que mesmo com todo o açúcar que se coloque na erva jamais será o mesmo gosto. Pode até ser parecido, pode ser o combustível para trazer a tona lembranças guardadas profundamente de dias ensolarados de inverno no pátio da minha casa. Mas o gostinho não será o mesmo.
A Gilda tinha muitas responsabilidades com a vó Cela, tinha que cuidá-la, ajudar nos afazeres da casa e tudo mais. Só, que ela era adolescente, queria farrear, namorar e ter um tempo pra ela, para as coisas dela. Mas quando não era a vó chamando, éramos eu e meus irmãos na volta dela. É por isso que digo que tem nomes que são bons de gritar, a "Xita" ia ver televisão com a gente lá em casa e a vó ficava nos fundos e de lá chamava...
_Giiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiilllllllllllllllllllllllllllllllda!
Então ela saia correndo. Vez por outra acabava levando uns cascudos, umas bengaladas... Sabe como é... Por causa dessa possível herança genética, disse pro meu pai que não vou dar a ele bengala.
Aí! Fico escrevendo sobre a vó e lembro tantas coisas que aconteceram e que cotidianamente não recordo. Além das comidinhas, a vó Cela sempre levava o chimarrão da manhã para tomar com a mãe. Levava a sua cuia pequena, com ervas no bule d'água. Uma vez, nossa!, estávamos com uma obra em casa, e tinha umas caixas que o pedreiro usava para carregar massa. A vó vinha lá dos fundos com o bule de água e a cuia e caiu na caixa do cal. Pobrezinha! Ficou entalada na caixa gritando: (aqui relembro, mais uma vez, há nomes bons de gritar)
_Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiita!!!
Tivemos que chamar uma enfermeira que era nossa vizinha para fazer uns curativos na vó. Claro que depois de tudo a gente riu bastante da situação, porque ela caiu na caixa e não durrubou nem a cuia e nem o bule.
Minha avó não era uma pessoa assim tão fácil de conviver. Na época, era o que eu pensava, mas olhando pra trás, nós crianças e ela já mais velha, na verdade a maior dificuldade era a diferença de idade que existia. Ela queria que a gente se comportasse como adultos e, nós, do nosso lado sendo criança e achando que ela era muito chata. E ainda por cima não deixava a "Xita" brincar com a gente.
Mesmo com a ranzizisse da idade a vó sempre gostou de ter a gente por perto. Não lembro de sentar no colo dela, mas recordo de ficar na volta enquanto ela cozinhava, de ela nos repreender por colocar muito limão na comida, porque limão afina o sangue.
O mais importante foi ter convivido de perto com a vó e com a Gilda e de alguma forma com meus tios e tias. A família do meu pai não é muito de se visitar, mas quando a vó estava morando lá em casa todo o sábado as tias nos visitavam.
E o melhor de tudo era saber que a família era grande e cada tio tinha me dado mais de dois primos e que a convivência com alguns deles é algo que guardo com muito carinho no meu coração, numa caixinha valiosa que sempre levarei comigo.
Mais adiante foi contar umas histórias engraçadas da Gilda, minha prima querida.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Pão com mortadela roubado

Esta é mais uma das memórias emprestadas que tenho. Como digo sempre, é difícil tentar entender algumas coisas sem tê-las vivido. A fome ou a carência, por exemplo, é incompreensível para quem nunca precisou racionar alimento. Eu, graças a Deus e ao trabalho dos meus pais, nunca passei por nenhuma privação. Considero que os brinquedos caros, que quando criança queria e não tive. Como a boneca Barbie, hoje tão comum e tão barata para alguns, não fizeram falta na formação da pessoa que sou hoje. O mais importante meus pais nunca deixaram faltar, que foi o amor, o alimento, a formação do caráter e o mais importante o exemplo.
A infância tanto do meu pai como da minha mãe foi dura. Mas, cada um à sua maneira, soube transformar as dificuldades em combustível para seu crescimento como pessoas e a formação de uma vida tranquila e uma família feliz. Meu pai não conta muito da meninice dele, ao contrário da minha mãe, de quem sei histórias hilárias, algumas tristes e outras recheadas da felicidade e da ingenuidade de criança. A que vou contar hoje demonstra isso.
Ao contrário dos dias atuais, antigamente não se tinha com facilidade, ou talvez a maioria das famílias não tivesse poder aquisitivo para comprar muitas coisas, mesmo que estas fossem consideradas acessíveis. Para a família da mãe, que vivia com poucos recursos e muitas bocas para alimentar não era possível comprar frutas ou pão de padaria, como dizemos, ainda hoje, por aqui.
É por isso que digo que a história que vou narrar tem comoção e ingenuidade infantis. Naquela época, lá pela década de 1960, a mãe estava no primário, não lembro como eram as séries, mas era no inicinho da vida escolar. As carteiras ou classes eram de dois lugares e os alunos se sentavam aos pares para assistir aula.
A mãe conta que tinha uma colega que levava "pão de venda, com mortadela de merenda!" Imagina! Se pão de venda já era uma raridade pra mãe, imagine recheado com mortadela?! Coloque-se no lugar da criança sentindo o cheirinho daquele pãozinho, debaixo da mesa, o odor da mortadela tentando o pobre estômago faminto, o que é que tu farias? Pois é, minha mãe fez. Surrupiou a merenda da colega e comeu. Depois quando a outra deu falta da merenda, reclamou para a professora e todos ajudaram a procurar, a mãe também ajudou, com toda a solidariedade possível, mas sabendo que não encontrariam nada. É engraçado vê-la contando que todos olhavam debaixo das mesas, no chão, por toda a sala e nada.
Quando eu era guriazinha e ela contava esta história eu ficava pensando, roubar um pão!!! Coisa mais comum, sem graça! Hoje quando ouço a história não posso deixar de me comover com tudo. Assim como não pude ficar insensível a uma queixa da minha sobrinha. Sou quem arruma a merenda dela, geralmente um sanduíche de presunto e queijo, já que ela é cheia de frescuras para comer. Outro dia ela reclamou que toda vez que abre a merenda uma coleguinha sua vai para perto pedindo uma "chebrinha" (na verdade é um pouquinho, mas não resisti ao lembrar da brincadeira). Nós perguntamos se a guria leva merenda, se não é alguém que passa por necessidades. A Larissa disse que não, que ela leva merenda, geralmente salgadinhos. Fiquei pensando, ok, existe uma dificuldade de tempo e horários, principalmente para as mulheres que além de trabalhar fora, cuidam de casa e dos filhos. Mas não leva tanto tempo passar margarina numas fatias de pão e rechear com queijo! É mais saudável que salgadinhos e talvez até mais econômico. Sem contar no carinho que se faz a criança demonstrando cuidado ao preparar um lanche. Algo tão simples.
Minha mãe não tinha a facilidade que existe atualmente. O pão que comia era de farinha de milho, feito em casa pela vó Mália. Pão este que todos adoram, mas que ela não faz mais porque se aposentou de vez da cozinha. Além disso, não havia dinheiro para levar merenda para escola. Hoje os pais, na verdade, nós todos temos melhores condições. Apesar de ainda existir pobreza, miséria e muito disperdício sempre tem alguém disposto a dar um prato de comida a quem tem fome.
Vale refletir sobre o desperdício de comida, de dinheiro e de tempo. Porque muitas vezes dedicamos nosso tempo a coisas que não tem tanta importância!

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A mulher de branco

É engraçado como lendas e histórias se repetem país a fora. Cada região do Brasil tem um mote com lendas, "causos", histórias, mistérios e mentiras, que de tanto serem contados passaram a fazer parte do imaginário popular. Passaram a fazer parte do folclore local. Entre as mais comuns de norte a sul estão, sempre envolvendo mulher, a história da moça do cemitério e a mulher de branco.
A moça do cemitério é aquele caso conhecido em que um jovem, geralmente de fora da cidade, dança em um baile ou festa qualquer a noite toda com uma bela guria e ao levá-la para casa depara-se com os portões do cemitério. Esta história tem variações que são passadas de pais para filhos por todo o país. Nunca vou esquecer da declaração do cantor, Beto Barbosa, num programa de televisão, de que foi salvo por um fantasma. A história dele é bem bonita, e como espírita acredito muito na possibilidade de ser real. De acordo com o que o cantor disse ele estava fazendo alguns shows pelo interior do norte ou nordeste. A fase que estava vivendo era bem difícil porque havia acabado recentemente um romance. O que ele contou é que estava desesperado, pensando muito em dar fim a sua vida. Beto tinha como costume caminhar. E entrou num cemitério, onde ficou por algum tempo caminhando por lá. Ele conta que foi andando e sempre pensando em suicídio até que se pegou diante de um túmulo, rezando. Foi quando ouviu a voz de uma jovem, lhe orientando que não chorasse e não sofresse, que tudo passaria.
Ele conversou com a moça por algum tempo e pediu o endereço dela, para visitá-la. No dia seguinte, antes de seguir viagem, ele foi até a casa da garota. A mãe da jovem o recebeu e explicou que sua filha já estava morta há muitos anos. Como ele sempre afirmava que havia visto e falado com ela, a mãe pediu que ele lhe contasse o que havia acontecido e mostrou-lhe uma foto da guria. Era ela mesma! Para choque de Beto. A moça havia se suicidado por causa de uma desilusão amorosa. E o túmulo em que ele se pegou rezando era o dela. Histórias incríveis e misteriosas, mas, possíveis. Eu acredito! Como digo sempre, acredito em tudo. Só não creio muito nos gnomos, porque eles costumam mentir um pouquinho.
A minha mãe conta que uma vez a tia Rosa e meu avô viram a mulher de branco. Foi no mato, aonde hoje é a avenida Mário Peiruque, bem próximo de onde eu morei quando criança. A mãe conta que era uma noite de lua cheia, clara, que iluminava tudo. Ela diz que eles haviam carneado porco e estavam fazendo banha e toda aquela função. Mas faltou lenha e meu avô saiu para buscar mais, e como já tinha perdido a visão de um olho, levou minha tia Rosa com ele.
Cada vez que ouço esta história, quando chega esta parte, apesar de não ter conhecido meu vô, consigo vê-lo direitinho. A lua grande iluminando o campo e ele voltando com a tia Rosa segurando sua camisa aberta. Ele com o saco de lenha sobre a cabeça. De longe eles viram que vinha uma mulher, que ele pensou que fosse a vó Mália. Só que não era. Era uma mulher, toda de branco, que não caminhava, mas voava, flutuava no ar e veio na direção deles, resmungando umas palavras em outra língua. Ao passar por eles a mulher tocou o ombro da tia Rosa. Segundo ela um toque gelado.
Esta história sempre preencheu minha imaginação. Ficava pensando e criando as imagens na minha cabeça, a mulher bonita que pairava no ar, minha tia criança (como seria ela?), meu avô, camisa aberta sacudida pela brisa e a lua. Ah! A lua cheia, muito clara e gigantesca clareando tudo, como se fosse dia.
Como são boas estas histórias contadas à meia noite na cozinha, ao lado do fogão à lenha. Como era bom ouvir e imaginar as coisas que haviam acontecido há tanto tempo! Tentar enxergar como era aquela rua sem aquelas casas. Ouvir cada história e cada caso de terror junto com os tios e os primos. Era bom, mesmo que depois custasse dormir, com medo de que viessem me puxar dos pés ou soprar o meu ouvido.