sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Quando me vi de verdade me enxerguei!


Há um tempo atrás sempre me sentia ofendida ou magoada quando alguém dizia que o Rio Grande do Sul é racista ou quando diziam que os gaúchos eram preconceituosos. Eu pensava, gente eu não sou preconceituosa. Eu não acho que sou melhor que os negros ou índios, pelo contrário até fico feliz e orgulhosa de saber que minha descendência tem essa mistura. Mas a verdade é que eu era. Ainda existia um resquício disso em mim e aquela verdade me atingia em cheio e bem no meio da minha cara. Eu sempre tive amigos negros e gays. Eu sempre defendi estas pessoas quando eram vítimas de algum preconceito na minha presença, mas lá no fundo do meu comodismo eu tinha internalizado aquelas coisas todas que as pessoas falam e acham natural. E ao mesmo tempo que eu defendia as pessoas de quem gostava quando eram desrespeitadas, não rebatia ou apontava os comportamentos preconceituosos de amigos ou conhecidos quando não havia ninguém pra eu defender. Vocês compreendem? Eu defendia alguém diante de outra pessoa, alguém que eu, na minha arrogância e preconceito, acreditava precisar da minha defesa. Mas não tinha coragem de apontar uma piada preconceituosa se não tivesse sido feita na presença de alguém que pudesse ser atingido diretamente.
Sabe quando eu me dei conta de que eu era sim uma pessoa com preconceitos? Quando rebati uma brincadeira diante de um casal de amigos negros com uma frase profundamente racista! Naquele dia, quando eu me dei conta do que falei na presença deles e fiquei aterrada comigo mesma e o meu pensamento percebi que era tão preconceituosa quando aquelas pessoas com quem já havia discutido e acusado. Eu chorei tanto diante dos meus amigos com tanta vergonha que se pudesse teria fugido dali. Graças a Deus eles eram pessoas amorosas e me acolheram com carinho, apesar da coisa horrível que disse sem pensar, no automático do "isso é normal e todo mundo diz"! Eu pedi perdão um milhão de vezes pra eles! Não precisei que ninguém me acusasse de nada porque eu me vi de forma nua e crua e me choquei comigo mesma! Minha reforma íntima começou naquela hora! Porque mesmo eles dizendo que sabiam que eu não era racista, eu já tinha me visto do jeito que eu era e não queria ser.
Nunca mais uma frase absurda daquelas ia passar despercebida pra mim. Nunca mais alguém ia dizer que nosso hino é preconceituoso e eu rebateria sem analisar o que aquelas palavras dizem. Porque não é por falta de virtude que um povo se torna escravo. É só pensar! Pode ser, óbvio que quem fez a letra não tenha tido a intenção de ofender ou atingir, mas ofendeu e atingiu. Quando eu falei na presença dos meus amigos a frase fatídica não queria ofender ninguém, mas ofendi. Na verdade ofendi muito mais a mim do que a eles. Vi que pessoa imatura e preconceituosa ainda era. Ainda bem que nenhum de nós tem compromisso com o erro e como bem disse Chico Xavier "ninguém pode voltar e fazer um novo começo, mas todos podem mudar agora e fazer um novo fim"! Um povo é escravizado principalmente pela ganância do dominador! Nunca por falta de qualidades do escravizado, até porque, se nada tivessem a oferecer, pra quê iriam ser subjulgados?
Eu entendi que posso ser solidária a qualquer causa! E compreendi ainda mais, compreendi que mesmo me compadecendo, mesmo tentando me colocar no lugar do outro eu nunca vou saber verdadeiramente como o outro se sente! Eu ouço, acolho e sou empática com aquela pessoa, mas nunca jamais vou dizer que o que ela sentiu em relação a uma situação não é real. Porque sendo branca e de olho claro nunca vou passar por situações que eu sei que acontecem com quem tem a pele negra.
O que vejo são sempre pessoas brancas dizendo que aquilo que o negro entendeu e sentiu como preconceito não foi preconceito. É como disse o outro lá "coitadismo"! Eu não posso dizer que uma pessoa que precisou a vida toda trabalhar para comer e por isso não pode estudar, que ela não o fez porque não quis. Eu não vivi aquela situação, não senti aquela dor e NÃO POSSO e NÃO DEVO dizer pros outros que o que eles estão sentindo é exagerado, é demais! Nesta encarnação eu jamais vou saber como é ser negro, ou gay, porque eu não sou nenhuma das duas e, portanto, não faço nenhuma ideia de como é  ser.  Isso é julgar! A gente passa julgando os outros. Estão tristes, deprimidos? Exagerados, não tem o que fazer. Querem cotas? Pra quê, isso é desmerecer os próprios negros. Parece uma defesa né? Não é. Porque a situação econômica de famílias negras da periferia é muito diferente da situação de uma família branca dentro da mesma periferia. Algumas vezes, estudiosos desse tema me corrijam, uma família negra tem mais gente trabalhando do que na branca o número de componentes  é o mesmo e, ainda assim, a renda per capita da família negra é menor.
Sou pobre, fui criada na vila, mas numa casa que era própria, nunca pagamos aluguel! Minha mãe era dona de casa e fazia alguns pequenos lavados para garantir uns troquinhos, quando a gente cresceu ela virou faxineira. Meu pai sempre esteve empregado. E a única vez que ele não esteve eu jurei que ele estava doente, devido ao jeito que ele ficou! Ainda não se falava em depressão, mas tenho certeza que naquela época ele estava depressivo. Não lembro direito, mas não passamos necessidade! Sempre vivemos de forma econômica, sem esbanjamentos ou supérfluos, mas nunca ficamos sem ter o que comer, ou sem poder pagar a luz. No meu colégio tinha muitos colegas sem pai, onde as mães precisam trabalhar mesmo com filhos pequenos. E tinha colegas de 8 anos eram responsáveis pelos irmão menores e por cuidar da casa quando os pais estavam no trabalho. Como que uma criança vai conseguir estudar se tem que cuidar da casa e dos irmãos? Não dá! E não dá, ou melhor, não se pode dizer que é frescura! Ou oportunidade igual! Não é! Eu chegava em casa a comida estava pronta, não precisava nem lavar o prato em que eu comia porque a minha obrigação era estudar e ter boas notas. É evidente que eu iria me sair melhor que aquela coleguinha que ao chegar em casa tinha que fazer almoço e dar para os irmão, depois lavar a louça e organizar a casa, pra só depois então, quem sabe olhar os cadernos.
Não é possível que eu fale como aquela colega se sentia ou se sente diante de todas essas adversidades. Então, hoje, quando o Ciro Gomes diz que aqui no sul tem nazista eu não me ofendo. Primeiro porque não sou e repudio o nazismo, segundo porque tem mesmo e negar não vai fazer eles desaparecerem. Aliás, seria ótimo se acontecesse! E convenhamos que quando ele falou isso não estava sendo xenofóbico! Ele não disse que todos aqui eram nazistas! Mas tem gente que desqualifica as pessoas por serem nordestinas! Desejam a morte, falam e fazem barbaridades! Isso é xenofobia!
Quando alguém não fica de pé quando o hino Riograndense toca não me sinto agredida ou desrespeitada, porque tem algumas partes do nosso hino que desrespeita aquela pessoa e ela tem todo direito de não gostar e demonstrar isso.
Caso alguém diga que não gosta das nossas músicas tradicionalistas ou dos nossos CTGs eu não sinto aquilo como um ataque pessoal, porque, realmente alguns são apenas um outro formato dos clubes chiques da cidade onde apenas as famílias tradicionais são respeitadas e ovacionadas. E eu também não gosto disso! E quanto a nossa música? Quanta gente na sua arrogância soberba não enche a boca pra desqualificar os movimentos culturais dos quais não gosta? Quanta gente classifica ou esculacha artistas de outras regiões pelo simples fato de não gostar ou desconhecer aquela manifestação artística?
Só a maturidade e o autoconhecimento permite nos vermos com os mesmo olhos que enxergamos os outros! Porque quase sempre nossos olhos críticos olham e julgam pra fora. Quando se voltam pra dentro são brandos e condescendentes.

Imagens do Google

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