Quando acontece uma doença na nossa família é quase impossível ver um lado positivo. No entanto, o apoio dos amigos, as palavras carinhosas de conforto são as mais claras traduções e demostrações de que não estamos sozinhos. E é muito bom receber este carinho, tanto quanto é importante reconhecer o quanto necessitamos dele neste momento de fragilidade e temor.
Há exatos dois meses meu pai foi realizar uma cirurgia pra retirada de um meningioma na cabeça. O nódulo se encontrava entre o cérebro e o crânio, acima do olho direito. Graças a Deus, aos excelentes médicos e apoio de todos os amigos correu tudo bem. Sim, é neste momento que recorremos ao sagrado, tenha ele o nome que você quiser.
Faz um tempo também que meu sobrinho está enfrentando um sarcoma epitelióide no braço. Neste exato momento esta hospitalizado. Fez quimioterapia, mas a solução para seu caso passa pela aceitação de perder o braço. Decisão extremamente difícil visto a pouca idade e crenças que professa. Enfim, situação nada fácil pra ele e pra toda a família que respeita a decisão, embora custe muito pra entender as escolhas feitas.
Conforme a doença foi atuando foram necessárias algumas internações hospitalares, que tornam o dia-a-dia de quem lhe acompanha no hospital sobre carregado, principalmente por vê-lo debilitado. O cansaço, a má acomodação, as noites em claro não são nada perto da visão do seu sofrimento, da dor e do desgaste físico que acaba apresentando por causa das dores. Vamos buscando sempre exemplos de perseverança e superação na tentativa de demovê-lo da sua decisão de não realizar a cirurgia.
Nestas temporadas internado conhecemos vários "companheiros" de jornada, que internam para realizar procedimentos cirúrgicos ou tratamentos no mesmo quarto de hospital. A convivência de alguns dias rende boas amizades.
Conhecemos dois senhores bem idosos, exemplos de força e coragem. Hoje pela manhã deu alta do quarto o companheiro atual, mas não sem antes contar sua biografia, magnífica. Noventa anos de vida com uma lucidez surpreendente! Ontem quando a neta contou que ele aprendeu a ler com a filha me comovi demais. Achei linda a atitude da filha que ia para a escola e ao chegar ensinava ao pai tudo que havia aprendido. E com a perseverança deste homem que apesar do trabalho pesado na lavoura teve persistência para aprender o beabá para ler com seus próprios olhos livros, revistas, jornais... É ao mesmo tempo força e humildade, pois o pai foi ensinado pela filha, sem constrangimentos. Que duplo exemplo! E há quem diga que nada tem a dar, mas, como dizem "ninguém é tão miserável que não possa ajudar alguém e ninguém é tão rico que não precise de alguém" (ou mais ou menos isto).
Mas a história deste senhor é muito mais surpreendente do que aprender a ler com uma professorinha menina. Eu que sou uma chorona de marca maior enchi meus olhos d'água ao ouvir a história da alfabetização, quando minha mãe me contou dele falando sobre seu amor por sua esposa e como ele fez sua vida...
Bem dizem que a vida imita a arte, mas muito mais vezes a arte imita a vida. O amor deste senhor começou aos 11 anos de idade, quando ele conheceu sua amada que era dois anos mais nova. Disse ele que se gostaram, mas eram muito jovens pra namorar. Então ele falou a ela, "se existe amor nada vai nos separar!" Ele tomou conta da sua vida neste exato momento, começou a trabalhar.
Lá pelos 16 anos foi até o pai da moça pedir pra namorar. Mas o véio com a cara "enferruscada" disse que eram muito novos. Passou mais uns anos e se encontraram num baile, ele com 18, ela com 16, dançaram a noite toda. No dia seguinte ele encheu-se de coragem e foi pedir para namorar. Ainda não possuía nada de seu, mas trabalhava com garra. O sogro permitiu o namoro, mas só namoro.
Ele vivia só numas terras aonde trabalhava, terras arrendadas. Um amigo disse a ele que se quisesse casar ele emprestava dinheiro para ele. Mas com receio de não ter como pagá-lo fez adiar a ideia.
O dono da venda fez a mesma proposta.
_Casa rapaz, eu te vendo no caderno, tu paga por ano, não te cobro juro.
Ele preferiu esperar um pouco mais. O sogro preocupado com ele vivendo sozinho autorizou que a filha fosse viver junto para ajudá-lo, o casamento seria feito depois e eles iriam trabalhando e adquirindo as coisas. O vendeiro vendeu a ele fiado, ajudando-o.
_Sempre fiz tudo de acordo com minha mulher. Toda decisão, todo plano a gente conversava antes.
E foi assim que conseguiram comprar as primeiras terras próprias, com muito trabalho e economia de ambos. A esposa partiu há alguns anos. A saudade aperta algumas vezes, mas, como ele mesmo disse "se o amor existe... nada separa!"