Na nossa família tudo vira festa e pode, também, virar briga. Tudo dentro do contexto, claro!, brigamos entre nós. Mas entre nós. Aí de quem vir falar mal de alguém para outro familiar! Aí sim é que a briga fica feia. Mas no geral somos da paz, mesmo que pareça que estamos brigando. É que todos falam alto. Na roda de chimarrão as conversas se misturam e o que está numa ponta vai lá e responde para o que está na outra, tudo em alto e bom tom, cada um em seu lugar. E já que estamos todos juntos vamos fazer alguma comilança. É assim... uns contam piadas, outros fatos da vida que mais parecem piada, fazemos comentários sobre a vida alheia, adotamos namorados e namoradas dos primos como se fossem da família, bebemos (se não tem bebida a gente faz uma vaquinha pra comprar, geralmente esquecemos o refri), comemos (aqui também se faz vaquinha, mas geralmente cada um leva umas batatas, uns pedaços de carne e galinha e tá pronta a comilança), nos unimos nos momentos difíceis, mas bom mesmo é quando é festa.
Das lembranças da minha infância o ajuntamento na casa da vó Mália é o que mais nítido eu trago. A casa sempre estava cheia, muitas crianças, entre elas eu, os tios e tias conversando da vida e a cozinha do fogão a lenha. Talvez seja por isto que lá fora eu fico do lado do fogão no inverno e no verão.
Aquela cozinha era disputada por tanta gente que sempre ficava uns dois ou três pra fora. Era neste cômodo que a mulherada tomava chimarrão, que a vó cozinhava o risoto de domingo, que fazíamos batucada até altas horas.
Lembro de uma vez que meu tio Chicão tava num bar perto dali. Daí vieram avisar que ele tinha brigado na venda. Lá vinha o Chicão, triste, chorando. Ninguém sabia o que realmente tinha acontecido. Todos o interrogavam e ele chorava. Todos já alterados, preocupados que tivesse acontecido algo de grave, até que ele disse entre lágrimas:
_ Quebrei meu violão na cabeça daquele filho da puta!
_... e tá chorando por que?, alguém indagou.
_Por causa do violão.
Era meu tio Chicão que puxava a cantoria na cozinha do fogão a lenha. O batuque acontecia no fundo do balde, outro chacoalhava uma caixa de fósforo, outro fazia um som com duas colheres e todos soltavam a voz a plenos pulmões. "Quii teeempo bom! Que não volta nunca maiiisssssssssssssssssss!" Essa é a música do Chicão, não tem uma vez que eu escute essa música que não lembre dele. E onde tem batucada tem gente dançando.
De fora podia ser que alguém, um entendido em música considerasse aquilo uma afronta, um horror! Mas para nós aquilo era uma festa! Celebrávamos mesmo sem data especial. Comemorávamos o simples fato de estar juntos. Na minha família é assim, rimos, festejamos e choramos todos juntos, não importa se o sacrifício é grande e a estrada é longa. Estamos juntos e isto nos basta.
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