Minha família tem histórias que não acabam mais. Tem situações de altruísmo, engraçadas, tristes, emocionantes... Sempre gostei muito de escutar estas histórias de um tempo nem tão distante, mas acontecidas com pessoas tão próximas de mim. Os causos que aconteceram com minha bisavô são das que mais me emocionam, principalmente pela sua fibra e coragem de criar seus filhos praticamente sozinha com o suor do seu trabalho. Mais me orgulho por ela ter criado seus filhos logo no inicinho do século, períodos de fome e recessão.
Era uma época em que as mulheres não votavam. Era uma época que apenas as mulheres pobres trabalhavam tão duro quanto os homens. Labutavam em casa, na lavoura, aonde houvesse trabalho. Minha bisa era uma destas mulheres de fibra que pegaram na enxada para não deixar os filhos passarem fome, mas ainda assim muitas vezes viveram maus bocados.
Houve uma época, na colônia, em que suas refeições consistiam em amendoim torrado e chimarrão! Nada mais! Para completar ainda tinha um vizinho gozador que fazia piadas quanto a energia que teriam, fazendo, claro, uma referência ao potencial afrodisíaco do amendoim. A vó Mila não respondia pra ele, mas resmungava com minha avó:
_ Este filho da puta, até parece que não sabe que isto é a única coisa que temos pra comer!
E a velha jamais se deu por vencida e nunca baixou seu ânimo, seguia trabalhando, mesmo sofrendo com a fome, mesmo passando frio.
Numa noite destas de miséria na colônia foi que apareceu pra ela o espírito de um dos maridos falecidos. Sim, minha bisa teve muitos amores, ou companheiros, ou amantes. Até porque... naquela época as mulheres tinham que casar, tinham que ter um homem provedor da casa. Mas pelas histórias que ouço dela, me parece que ela teve muitos homens e também teve muitos filhos, mas viveu muito tempo por conta própria! E eu considero que o mérito da criação dos filhos é todo dela e da sua fibra.
Foi nesta noite fria de um agosto rigoroso que ele surgiu. Ela estava pronta para dormir e os filhos pequenos todos deitados numa mesma cama, com poucas cobertas, muito provavelmente improvisada. Então ele surgiu com seu poncho jogado para trás sobre o ombro.
_ Que miséria mulher!, disse ele tirando o poncho e cobrindo as crianças mal agasalhadas. A bisa contava que ele jogou o pala pra cima e quando caiu sobre as crianças já não estava mais lá.
Todos sempre queriam saber se na manhã seguinte o poncho ainda os cobria. Ou se a situação de miséria havia mudado. Nem o pala estava lá, tampouco a situação mudou. Mas creio que ela teve uma certeza, alguém, mesmo que num outro plano, olhava por ela.
Muito tempo de miséria ainda foi vivido pela minha vó Mila acompanhada da vó Mália e da Edite, as filhas com quem sempre esteve próxima. Ela desencarnou bem velhinha com 96 anos de idade, com o cabelo ainda bem pretinho preso numa trança bem comprida. Ela se foi de uma forma muito tranquila, que me alivia, pois foi tanto tempo de trabalho aqui, que seu desencarne deveria mesmo ter sido como foi. Minha mãe conta que ela estava tomando uma canja no hospital e conversando com ela e minha tia Ieda. A bisa deu um bocejo e se foi. Deixando muitas histórias pra gente sempre lembrar dela. Pra gente nunca esquecer dela!
4 comentários:
Adoro ler tuas histórias!!
Voltei ao passsado,fui lendo e foi passando um filme na minha frente,me emocionei,me lembrando de como ela era.Bjs
Adoro ler tuas histórias!! Voltei ao passado,como se tivesse passando um filme,me emocionei muito!!!me lembrando da vó mila resmungona,saudades!!!Bj
Adorei ler essa história!!!Me emocionei muito!!Saudades da vó Mila!!
Tuas histórias como sempre são emocionantes!! já disse: deverias escrever um livro!
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