quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Releituras

Reler alguma coisa sempre se pressupõe um conhecimento prévio. Já se sabe do que trata o texto, o livro, a pessoa. Embora eu ame muitos livros de paixão, poucos são aqueles que eu releio. Aos que volto, volto pelo prazer descarado de reencontrar aquelas personagens. Sim, assim como eu "amarro" a leitura para não ter que me separar deles quando percebo que o livro está nas páginas finais, alguns volto a ler só pra encontrar aqueles personagens, lembrar que havia criado um som pr'aquela risada, um cheiro pr'aquela cena, um frio na barriga pr'aquela tórrida noite de amor.
Com o grupo de literatura, que criei com algumas amigas, acabei relendo este ano três livros. Livros que amei ler e reler também. Até pensei que sentiria as mesmas coisas em relação as personagens. Mas me surpreendi. N'algumas releituras me apaixonei ainda mais por alguns personagens, vi situações de forma mais clara noutras e até simpatizei com certas características de outros.

O primeiro foi O pequeno príncipe, que já reli inúmeras vezes sem nenhum motivo externo, só a vontade de "ouvir" novamente a risada gorda do principezinho! A primeira vez que o li era criança ainda e não lembro bem o que pensei a respeito. Das primeiras vezes que reli sempre fiquei com uma ideia que já tinha, mais a respeito de tudo que o principezinho trazia é que tínhamos que refletir, pensar, filosofar. Como se ele fosse uma pessoa adulta, só que com aparência de criança. Acho que a ideia de filosofar me levou pra isto. Desta última compreendi o entendimento daquele príncipe guri sobre a vida, o nosso aprendizado na terra e principalmente enxerguei a questão espiritual. Uma ideia que me veio de que Exúpery sabia que o espírito é imortal e como diz no livro o corpo é só uma casca pesada que não nos permite voar de volta pro nosso pequeno asteroide. Não tive nenhuma nova impressão sobre o livro, apenas acrescentei questões que não captei das outras vezes pela minha própria imaturidade na época. Compreendi claramente a importância de cuidar muito bem da nossa criança interior, pois é ela que nos impulsiona na busca da felicidade e dos nossos sonhos. É quem nos encoraja!

A segunda releitura foi  O amor nos tempos do cólera. Havia lido há bastante tempo. Pensava, até concluir a leitura, que minha interpretação do livro estava equivocada, porque nunca percebi o amor de Fermina Daza e Florentino Ariza como aquele amor a que o título se refere. Pelo contrário, sempre vi, da parte do Florentino uma obsessão pela mulher, que ficava em suspenso a cada caso que começava desde a gloriosa noite em que foi abusado no navio. Dela nunca percebi muito amor ou mesmo carinho por ele.
Para mim O amor nos tempos do cólera é a construção do bonito amor entre Juvenal Urbino e Fermina Daza. Em nenhuma das duas leituras me senti atraída por Florentino! Acho-o fraco, ainda que profundamente apaixonado. Mesmo que se entregue as paixões sem medo ou reservas.
Sem dúvida é uma linda história de amor, ou melhor duas, ou várias.
Minha intenção não é criticar nada, pois não sou crítica literária ou de cinema. E não critico nenhuma vírgula do que Gabo escreveu. Amo sua forma de escrever! Sou fã incondicional! Ainda que não tenha me apaixonado por Florentino Ariza, como me apaixonei por José Arcádio Buendía gostei muito de várias lições do livro, entre a mais importante é que NÃO HÁ IDADE PARA O AMOR.
Comparando com o filme confesso que fiquei decepcionada. Muitas coisas que considerei super importantes no livro se quer foram citadas no filme. Personagens importantes foram ignorados!

Atualmente estou relendo O caçador de pipas. Da primeira vez que li tive uma visão de tudo, principalmente do egoísmo e ciúme de Amir em relação a Hassan, muito diferente da que estou tendo hoje. Fui surpreendida pela História dos afegãos, pela visão de uma criança afegã, da atuação dos russos naquele território, a violência da guerra, os preconceitos e o ódio tão arraigado contra pessoas minimamente diferentes entre si. E além de todos os grandes problemas dos adultos (que afetavam também as crianças que não entendiam direito tudo aquilo de política), ainda tinha as coisas da infância, as necessidades de crescer, aprender, estudar, brincar e os garotos maiores que sempre amedrontavam os pequenos.
Sinto o mesmo peso no peito em relação aos abusos e sofrimentos vividos por Hassan. E, ainda que veja Amir mais egoísta, também compreendo os motivos que o levam a tal egoísmo e a angústia que sentia por se sentir mau. Mas ainda não chorei, como pensei que choraria de novo.

Os três livros são muito bem vistos literariamente. O primeiro um clássico da literatura. O segundo chega a ser dos mais cultuados pelos fãs de Gabriel García Márquez, mas meus favoritos dele são outros. E o terceiro um retrato da nossa história recente. Sim, da nossa história, pois o mundo é a nossa casa. Mesmo que ignoremos o que aconteceu no beco escuro por medo ou vergonha, ainda assim o acontecimento irá mexer conosco.

Estou amando o grupo de literatura, os livros, os filmes, os debates e as conversas sobre os livros e os autores. Ler é um ótimo exercício! Tenho uma "pequena" lista de releituras, entre elas Cem anos de solidão, mas como ainda tenho muitos livros que são as primeiras leituras estou cultivando a saudade dos Buendía.

2 comentários:

Jaime Guimarães disse...

É interessante quando relemos alguns livros da época de escola. Com Machado de Assis foi assim: detestei, na adolescência, "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e depois de anos fiz a releitura - é hoje um dos favoritos.

Há livros com o "seu tempo"; às vezes só temos que dar mais uma chance àquele livro que parecia "desinteressante" por algum motivo em determinado momento... :)

Luiz Carlos Vaz disse...

Belas releituras, Danieli. Também fico às vezes relendo trechos de vários livros. Há passagens neles que nos remetem a outros tempos de nossas vivências. E alguns, claro, não causam o mesmo impacto da primeira vez.