Vivemos numa sociedade machista, patriarcal onde muitas mulheres sofrem abusos e violências caladas, com vergonha e culpa pelo seu sofrimento. É verdade que muita coisa mudou, mas nos recantos mais pobres a coisa ainda segue e ainda há quem diga que estas mulheres gostam.
Conheço uma moça jovem, bem estudada, que foi casada há mais de 15 anos com um cara que ela considerava seu grande amor. Fizeram planos, construíram um lar, tiveram filhos. Mas por inúmeros motivos a relação tornou-se insustentável. Ele claro, não quis a separação, então foi tornando as coisas difíceis. Até de fato tudo acontecer. Separação de corpos, outra casa, divisão de bens etc. Aquela pessoa que parecia bom pai teve que ser acionado na Justiça para pagar pensão e depois de muitas tentativas da mãe para que o pai participasse da vida dos filhos ele disse, claramente, que "não tinha interesse"! É, o pai tem direito de dizer que NÃO TEM INTERESSE EM CONVIVER COM OS FILHOS, deve ser porque ele acha que o valor que paga de pensão é o suficiente para suprir todas as faltas das crianças, inclusive a afetiva!
Quem tem uma criança perto de si sabe bem que o valor da pensão geralmente não cobre todos os gastos que se tem com uma criança, porque este gasto vai além da comida. Acontece que uma grande parte dos homens se considera isento de responsabilidade com os filhos SÓ PORQUE DEPOSITA A PENSÃO, coisa que é obrigação! E vamos e venhamos, alguns só fazem porque dá cadeia! Aliás, uma das poucas coisas que resulta em prisão. Então...
Mas não querer conviver com filhos não é privilégio só de pai "comum", celebridades também acham que basta colocar o nome na certidão, depois de inúmeros testes de DNA, pagar a indenização e já basta para que o filho ou filha fique feliz. Foi assim que agiu o Pelé, aquele que fala de si na terceira pessoa e não quis saber da filha ou dos filhos dela. Portanto, não é coisa de ignorante! É coisa de gente que acha que filho é responsabilidade DA MULHER e só. Tem até um ditado né? "Quem pariu Matheus que embale"!
Isto é um tipo de violência sim, contra mulher, contra a família!
É por isto que precisamos de feminismo! É por isto que precisamos criar meninos e meninas de forma igual, cuidando da casa, ajudando em todas as tarefas e mostrando que filhos são responsabilidade do casal (mesmo que ele esteja vivendo separado!).
Contei esta história para ilustrar que muitas vezes não conhecemos as pessoas! Ninguém próximo deste casal fazia ideia de que após a separação, que pareceu amigável, ele teria esta atitude. Os filhos esperam pelo pai e acabam descontando na mãe a "culpa" da separação. Uma amiga que separou-se depois de ter sido agredida pelo companheiro quando estava grávida e por conta da agressão perdeu líquido amniótico e em consequência disso problemas na formação do bebê vivia a constante dor de ver sua filha mais velha a culpando pela separação. A filha ligava e o pai não atendia o celular, pagava pensão apenas para a filha mais velha e foi preciso entrar na Justiça para que o filho fosse incluído. Uma criança especial que precisava de vários tratamentos específicos, que o valor da pensão não cobria. Para completar o pai dizia pra filha que eles não estavam juntos por culpa da mãe. Violência clara durante a relação e após a separação!
Não bastando estes dois casos trago outro, também verídico, também de alguém conhecido. Um relato que após tua leitura vais pensar será que é a fulana? Ou a ciclana? Ela tá falando de alguém que eu conheço? Porque nós mulheres conhecemos vários relatos semelhantes. Sabemos de pais que não pagam pensão e exigem direito a visita. Sem contar aqueles que pagam pensão e se acham no direito de determinar como que a mãe deve usar o dinheiro.
Esta história é triste! É a história de uma mulher que não teve sorte na vida amorosa. Ficou grávida na adolescência e foi abandonada. Mais tarde outro companheiro e uma vida infeliz! Agressões, brigas, privações, outro filho e um destino de trabalho. Outro filho sem pai, sem pensão! Ela trabalhava para manter os filhos, para dar tudo que podia, tudo que eles queriam. Encontrou outro companheiro. Pensou, desta vez hei de ser feliz. Que nada! O fulano tinha uma vida de crime. Ela quis fugir, ele ameaçava os filhos, os netos, agredia. Exigia visita! Exigia droga, exigia dinheiro dentro da tranca. Sobre ele a acusação de abuso infantil. "Um bandido dizem uns!", "ela gosta dessa vida acusam outros" e ela lutando pra ter uma vida reta, trabalhando direto sem parar para comer. Até que a doença a parou!
Vários dias sem conseguir comer, muitas dores, fraquezas, diarreia, médicos sem saber o diagnóstico. Mas todos próximos desconfiando. São dias no pronto socorro sem saber a doença e exposta a todos os vírus, bactérias e doenças nos corredores superlotados. Então um médico diz que é uma infecção grave. Levam para isolamento. Após mais exames o diagnóstico, soro positivo! Além da dor física, da fome porque não consegue comer a vergonha, o medo, a culpa! Ninguém se coloca no lugar daquela mulher murcha na cama do hospital! Ninguém pensa como deve estar a cabeça dela! A raiva deve estar lhe corroendo por dentro! Ela não quer falar nem ouvir sobre o companheiro, ou ex. Deve desejar internamente que sofra tudo que ela passa neste momento. Deve se sentir culpada por desejar algo assim pra alguém. E ainda tem muita luta pra vencer, muita luta pra travar. Mas a primeira luta é pela vida! Antes de qualquer coisa é superar este momento crítico, passando pela infecção quase generalizada e passar para o tratamento do hiv. Sei que ela pode se recuperar. Quado estava na secretaria de saúde vi muitas pessoas ficarem muito mal e depois se recuperarem, com o apoio da família e dos amigos.
Isto tudo porque ela passou é violência! Foi a vida toda passando de uma situação pra outra com vergonha e sentindo culpa por tudo que lhe acontecia. Aguentava calada, porque se a culpa é minha tenho que aguentar quieta! Cheia de vergonha, com medo da reação do outro, que só faltou dizer que não foi dele que pegou! Mais uma violência!
Talvez se ela tivesse crescido perto de uma feminista as coisas hoje fossem diferentes! Quem sabe se na primeira agressão lá atrás já não teria denunciado o ex companheiro e ela se sentiria mais protegida? Sabe-se-lá se tivesse exigido pensão e participação dos pais dos filhos na criação não seria outro o quadro atual? Cogitações apenas. A única coisa real é que precisamos do feminismo! Precisamos de todas as feministas! Sim, precisamos daquelas que são chamadas de radiciais, que não aceitam uma vírgula machista pra cima de nós. Sim, precisamos daquelas que fazem passeada, levam cartazes, rasgam o verbo e a roupa em defesa da igualdade de direitos. Precisamos muito dos homens que não consideram justa esta maneira da sociedade proceder com as mulheres. Precisamos que corrijam os amigos abusadores, os que fazem piadinhas machistas e homofóbicas, os que consideram que cuidado da casa e dos filhos é obrigação da mulher porque ele é o "PROVEDOR" da família, sendo que na maioria dos lares brasileiros as mulheres também trabalham.
Sabe escrevendo este texto fiquei pensando em quantas outras histórias reais, parecidas com estas eu conheço! Quantas acabaram mal com a morte das mulheres, com filhos abandonados ou perdidos!Quanta tristeza! Lá na vila tem muita história assim e eu posso afirmar que as mulheres não gostam da violência que sofrem, que elas não são culpadas e que querem mudar este final. Sejamos empátic@s, deixemos o julgamento de lado e vamos tentar ajudar estas mulheres da melhor forma possível! Nem uma a menos!
PS.: Certamente as protagonistas destas histórias irão se reconhecer. Peço desculpas por ter contado suas histórias sem pedir permissão! Aproveito para dizer que seus relatos são importantes para que outras mulheres em situação semelhante saibam que não estão sozinhas e que denunciar, que não calar é o melhor. Vocês são exemplos de coragem pra mim e eu as amo! <3
Nenhum comentário:
Postar um comentário