Faz uns dias que estou vivendo na Bahia! Sim, na Bahia de Zélia Gattai e Jorge Amado!
Vejo a Salvador pelos olhos e lembranças de Zélia num período anterior a ditadura militar, posterior, durante e da época em que colocava as memórias no papel, lá pelos anos 90, contadas através das muitas histórias ocorridas na casa do Rio Vermelho. Tenho vivido entre artistas de todas as áreas nesta tão aconchegante casa da rua Alagoinhas, 33. São lembranças cômicas, outras tão ternas que sentimentos a emoção do momento, outras de fé, são memórias de todo o tipo que nos fazem sentir parte da família sentados na varando, ouvindo a máquina de escrever de Jorge e o miado do gato Nacib.
Já a Bahia de Jorge Amado é uma Bahia de luto, com um pelourinho repleto de homens e mulheres fortes, pelejando para que, como negros, fossem respeitados ali, naquele lugar que era tão deles quanto dos brancos com ideias anti-semitas retratada e interpretada lindamente em Tenda dos Milagres. Ontem assisti ao capítulo em que mestre Lídio é levado para prestar esclarecimentos sobre seu negócio ao delegado Francisco mata negros. Lembrava dessa cena vivamente! A ameaça de quebrar os dedos do artista, o espancamento, Zé Alma Grande seguindo a vida de capitão do mato perseguindo seus irmãos. Que agonia, que aperto no peito!
Minha memória de criança traz muito forte a emoção que senti ao assistir as cenas pela primeira vez. E minha memória mais antiga ainda, aquela das outras vidas, me faz sentir parte do terreiro de Magé Bassã! Lembro como a forma que a mediunidade dela acontecia, o jeito como enxergava o que viria a acontecer me encantava, apesar do certo medinho que acompanhava a possibilidade de uma visagem!
Confesso que não lembrava da história de Jerônimo e Rosa de Oxalá, tampouco lembrava de sua filha. Mas lembrava perfeitamente da Yaba! Acho que era pela beleza daquela mulher que surgia nua da cintura pra cima e com a cabeça raspada!
Essa Salvador nos encanta e ao mesmo tempo nos faz lembrar que não podemos parar de lutar. Hoje, vivemos momentos em que as pessoas pensam poder botar pra fora todo o preconceito contido em seus peitos. Ainda existe perseguição e racismo no nosso país! O mais triste é que é nas palavras e atitudes do presidente do país que estes preconceituosos acham apoio pra suas intolerâncias.
Acontece que esse povo de luta não se achica e não se entrega, dão sua vida pela liberdade, dão exemplos de amor e de solidariedade. E estes que lutam são a maioria! São eles que fazem as coisas mudar e acontecer. Tanto é verdade que no carnaval do Rio de Janeiro deste ano a escola campeã é Estação Primeira de Mangueira, que levou para a Sapucaí o samba-enredo Histórias para ninar gente grande e homenageou os esquecidos da história oficial do país!
Muito agradecida Mangueira por mostrar que sim, escolas de samba ensinam sobre muita coisa passando pela arte, pela história e pela política!
Samba-Enredo 2019 - Histórias Para Ninar Gente Grande
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (RJ)
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500
Tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não tá no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
Tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos brasis que se faz um país de lecis, jamelões
São verde e rosa as multidões
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