Qualquer um pode ser ou se transformar num lobisomem. Sim, tu não acreditas? Pois quando eu era criança todo mundo conhecia pelo menos um na sua rua ou no bairro. Toda a cidade tinha um que aterrorizava os cidadãos com seus caninos e garras afiadas. Reza a lenda que, para virar um lobisomem existem duas ou três maneiras. Uma delas, que acho a mais sedutora, acontece se um homem deitar no mesmo local aonde esteve deitado um animal. De acordo com as narrações que escutei na infância a sombra do bicho no qual o candidato deve deitar não precisa, necessariamente ser de um lobo, pode ser uma vaca, um boi, um cavalo, ou qualquer outro animal. Mas tem que deitar imediatamente após o animal levantar, o local deve estar "quente". Pelo menos esta era a teoria que meu tio Zé.
Tinha também aquela história de que numa família aonde nasce sete homens em sequência o último seria um lobisomem. Para evitar a tragédia o irmão mais velho tinha que batizar o caçula. Quando eram sete mulheres a "maldição" contava que a última seria bruxa, se a mais velha não a batizasse. Ou ainda se depois de sete mulheres nascesse um guri, este seria lobisomem. O mesmo acontecia na sequencia de homens, só que a mulher seria bruxa. Esta parte de quem nasce lobisomem é meio confusa pra mim!
Também tornava-se lobisomem todo aquele que fosse atacado pelo monstro e ferido por mordidas ou arranhões.
Os lobisomens todos sabem, são aqueles homens que se transformam em lobos nas noites de lua cheia. Cresciam pêlos por todo o corpo do vivente, as garras eram afiadas e os caninos bem aparentes. O objetivo dos caninos do lobisomem não era o mesmo dos vampiros, mas havia alguma semelhança.
Para que o homem contaminado deixasse de ser lobisomem era preciso ferí-lo com um objeto cortante e tirar sangue do bicho. Desta forma ele voltaria a sua normalidade, deixando de uivar para o céu nas noites de lua. Outra versão diz que o lobisomem nunca deixa de ser lobisomem, desta forma a única solução é matar o monstro. Para isto é preciso um tiro com bala de prata no coração.
Diziam também que na noite em que se transformava em lobisomem o cidadão arrancava suas roupas e as deixava todas do avesso jogadas por onde passava.
Das histórias de lobisomem a que mais lembro era uma que minha mãe contava. Ela contava que a mulher estava deitada esperando o marido, já de camisola vermelha. Mas ele estava atrasado. Ao escutar um barulho no pátio da casa ela foi ver do que se tratava. Deu de cara com um lobisomem que a perseguiu. Na tentativa de pegá-la rasgou com os dentes a camisola dela. Ela conseguiu fugir para dentro da casa e trancar-se. Adormeceu sem perceber a chegada do marido.
Na manhã seguinte, estava fazendo um cafuné no bem amado. Foi quando ele sorriu e ela viu o pedaço da sua camisola preso nos dentes do esposo. A expressão mais assustadora pra mim ao escutar esta história era a frase com que minha mãe encerrava.
"_ Era ele o lobisomem!"
Meu Deus!, eu pensava. A mulher era casada com o lobisomem e ele queria matá-la, o que sobraria, ou melhor, o que ele não faria comigo que não sou nada dele? Hoje acho a história engraçada, mas confesso que na época ficava a-pa-vo-ra-da! E o mais apavorante não era isto e sim o fato de que eu morava numa casa com um pátio grande e, às vezes, precisava ir, de noite, buscar a toalha na peça do tanque de roupas. Tchê! O pátio era iluminado, mas eu ia correndo e voltava correndo pra dentro de casa.
O tio Jocely também sempre contava que na frente da casa aonde ele morava quando rapaz vivia um lobisomem. Ele contava que numa noite de lua cheia o cara entrou no quarto dele, mas não era como um cachorro qualquer. Era um bicho grande que andava de pé. Um cachorro enorme, de pêlo preto que caminhava em duas patas! O cachorrão entrou e tocou no meu tio. Ele achando que era o irmão sentou na cama e começou a conversar e o outro não respondia. Sentou ao lado dele e ficou parado, com uma respiração ofegante. Parecendo um cão mesmo. Então meu tio, ainda no escuro, passou a mão pelo rosto daquele ser que havia chegado e só encontrou pêlos. Ficou sem saber que reação ter, ficou paralisado de medo. Então o lobisomem foi embora sem fazer nada com ele.
Todos na rua sabiam que o filho da senhora que alugava a casa pro meu tio e o irmão dele era um lobisomem e nas noites de lua andava pelas ruas amedontrando as pessoas. Ninguém gostava dele, nem lhe dirigia a palavra com medo do monstro em que se transformava. Mas o tio Jocely é pessoa boa demais, sempre foi, desde novo. Nunca tratou mal pessoa nenhuma, nem mesmo o lobisomem! Talvez por isto o bichão não lhe tenha feito nada.
É tanta história de lobisomem que até perco as contas e acabo por esquecer alguns detalhes! Outro causo que o pessoal contava muito é que, o cara que ia se transformar no lobisomem se reborcava (como dizem por aqui os mais velhos) no capim, bem no lugar aonde durante o dia havia estado outro animal qualquer. Daí então começava a metamorfose, primeiro os pêlos das orelhas começavam a crescer, em seguida os dentes e em questão de segundos o homem estava coberto de pêlos e virado num lobo, geralmente negro. Foi um cachorro preto destes, muito maior que um cachorro grande "normal" que deu uma carreira no Zé Luiz. Más o que! Ele vinha de bicicleta naquela noite enluarada, quando se deparou com o cachorrão. Foi então que começou a pedalar o mais rápido que pode, com toda a força para deixar o lobo pra trás. Mas ele era muito rápido e quando menos esperava estava ao lado da bicicleta de novo! E foi assim o caminho inteiro até chegar em casa! Dava distância mandando pedal e quando via a fera estava do seu lado de novo! Parecia assombração, mas era um cachorro, pensava ele. Grande... preto... mas um cachorro. Estava ali diante dele! Só que o medo foi crescendo cada vez que o cão chegava perto.
Quando avistou a casa da esquina pensou, agora é que vamos ver. Pedalou o mais que pode, desceu da bicicleta ainda andando! A magrela se estatelou de um lado e foi o quanto pulou a cerca da casa. Entrou no alpendre da casa e olhou para rua... lá estava o lobo negro, rosnando e mostrando os dentes pra ele, numa ameaça. O Zé entrou pra dentro de casa e deixou a bicicleta na rua. Teve certeza, embora até aquela noite não acreditasse em histórias de fantasmas e monstros, que aquele cachorrão era um lobisomem.
E eu aqui, escutando a chuva... vendo alguns relâmpagos que clareiam a casa toda... vôu verificar, pra ter certeza só... de que a porta esta fechada com a chave. E que... e que, só pra conferir, na rua não tem nenhum lobo preto rondando a quadra!
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