terça-feira, 27 de abril de 2010

Esse vento que nos "contrareia"!

Algumas coisas aprendemos com certa rapidez (considero que aprendo com facilidade), outras só são compreendidas a duras penas. É claro, que se incarássemos a vida de uma forma tranquila, natural e leve tudo seria muito mais fácil. Como na música do Zeca Pagodinho, se deixássemos "a vida nos levar", aceitando o que vem de bom e de ruim, seríamos mais capazes de nos permitirmos ser felizes. Tá certo que tem momentos em que é bem difícil ver o lado bom daquela "catástrofe" que nos acontece. O que não podemos é perder a capacidade de olhar pra trás e, se não conseguirmos enxergar o lado bom, pelo menos, aprender com o ocorrido.
O vento é assim, é como a vida. Ele nos leva se quiser, mesmo que a gente não queira, que nem a vida. Então, como o vento é como a vida, tenho aula de reforço todo o ano, porque... gente... eu moro em Pelotas, já vivi em outras cidades, mas nunca estive num lugar que tivesse tanto vento por tanto tempo ao longo do ano. Sendo assim, aprendi um pouco, bem pouquinho, com o vento, a deixar a vida me levar assim como ele, levava meus cabelos.
Ele é um professor insistente. Quando saímos a rua e é o seu dia, não adianta gel, nem laquê, nem presilha de cabelos. O penteado despenca, a boca e os olhos ficam com areia, as roupas voam e nas esquinas parece que quem irá voar somos nós. Até mesmo os passarinhos, acostumados a planar ao seu gosto, tem dificuldade de se manter numa direção.
Foi assim, a duras penas, jogando muitas vassouras no chão e até chorando que a Gilda aprendeu que, em dia de vento é impossível varrer. Vamos a história.
Como contei, a Gilda, minha prima, morou conosco durante um tempo. Fazia companhia pra vó Cela, cuidava um pouco de meus irmãos e de mim e ajudava a mãe em alguns afazeres.
Um dos afazeres que mais lembro da Gilda fazendo era varrer o pátio. Tínhamos um pátio grande, comprido, com duas garagens. Nos fundos do pátio, próximo a casa da vó tinha algumas árvores frutíferas, entre elas uma parreira, que perdia normalmente suas folhas e nos dias de ventania ainda mais.
Então lá ia a "Xita", vassoura em punho, determinada a acabar com a sujeira do pátio. Vinha dos fundos para a frente numa tentativa vã de vencer o vento que soprava da frente para os fundos. Com seu jeito meio doido e desajeitado ela esbravejava no terreiro contra o vento. Daí mudava a estratégia. Para enganar o vento e pegá-lo de surpresa ia para a frente da casa e vinha varrendo espevitadamente. Ao que o vento respondia com um redemoinho levantando as folhas e a terra do chão no rosto da Gilda, como se desse uma baforada de cigarros na cara dela, com a diferença de ser poeira ao invés de fumaça. Que raiva que ela sentia daquele vento danado, cretino e desavergonhado, que levanta a saia das moças na esquina e não deixa que uma trabalhadora varra em paz o pátio da casa. Nessa hora ela não se continha e gritava chorando:
_ Ôh! tiia! Olha aqui este vento tia!
A minha mãe rindo disfarçadamente dizia:
_ Muda de lado Gilda, varre pro outro lado.
Era então que mais uma vez, lá ia a Gilda para os fundos da casa recomeçar a varrição. E bem que tentava varrer. E bem que tentava não se deixar vencer pelo sopro que levava para onde já estava limpo toda a sujeira. A Gilda não aguentava isso e se rendia, chorando e gritando como em surto, jogava a vassoura no chão:
_Olha aqui tiia! Esse vento só me "contrareia"!
Ô Gilda, como o tempo passou! E como ele nos contrariou tantas e tantas vezes naquele pátio. Varríamos cada uma de um lado, na tentativa frustrada de sermos mais rápidas que o vento. Quantas vezes corremos por lá. Quantas vezes apaguei a luz para te assustar depois de uma "sessão noturna" de filmes de terror. Mas o tempo, assim como o vento que remove montanhas carregando-as grão por grão, foi nos levando pra longe uma da outra. Não é à-toa que se fala nas areias do tempo, aquelas que escorrem pela ampulheta. Assim como elas, fomos pouco a pouco nos afastando. Hoje, a semelhança dos tempos da tua adolescência e da minha infância, tens muitas responsabilidades, marido, filhos, um bar para cuidar. Bar este onde "é proibido entrar bêbado, mas sair poooode"!
Agradeço muito a ti por ter sido tão presente na minha vida, por ter me dado tantas boas recordações. Lamento apenas não ter dito o quanto te amo, o quanto és especial para mim. Quem sabe, jogando estas palavras no vento, um dia eu tenha a oportunidade de te dizer tudo isto? Pode ser que ele não nos "contrareie".

Um comentário:

Luiz Carlos Vaz disse...

Poemas ao vento

Sopra o vento, sopra o vento,
Sopra alto o vento lá fora;
Mas também meu pensamento
Tem um vento que o devora.
Há uma íntima intenção
Que tumultua em meu ser
E faz do meu coração
O que um vento quer varrer;
Não sei se há ramos deitados
Abaixo no temporal,
Se pés do chão levantados
Num sopro onde tudo é igual.

Dos ramos que ali caíram
Sei só que há mágoas e dores
Destinadas a não ser
Mais que um desfolhar de flores.

Fernando Pessoa
(feliz de quem tem uma amiga que te dá um livro do FP)