Esta é mais uma das memórias emprestadas que tenho. Como digo sempre, é difícil tentar entender algumas coisas sem tê-las vivido. A fome ou a carência, por exemplo, é incompreensível para quem nunca precisou racionar alimento. Eu, graças a Deus e ao trabalho dos meus pais, nunca passei por nenhuma privação. Considero que os brinquedos caros, que quando criança queria e não tive. Como a boneca Barbie, hoje tão comum e tão barata para alguns, não fizeram falta na formação da pessoa que sou hoje. O mais importante meus pais nunca deixaram faltar, que foi o amor, o alimento, a formação do caráter e o mais importante o exemplo.
A infância tanto do meu pai como da minha mãe foi dura. Mas, cada um à sua maneira, soube transformar as dificuldades em combustível para seu crescimento como pessoas e a formação de uma vida tranquila e uma família feliz. Meu pai não conta muito da meninice dele, ao contrário da minha mãe, de quem sei histórias hilárias, algumas tristes e outras recheadas da felicidade e da ingenuidade de criança. A que vou contar hoje demonstra isso.
Ao contrário dos dias atuais, antigamente não se tinha com facilidade, ou talvez a maioria das famílias não tivesse poder aquisitivo para comprar muitas coisas, mesmo que estas fossem consideradas acessíveis. Para a família da mãe, que vivia com poucos recursos e muitas bocas para alimentar não era possível comprar frutas ou pão de padaria, como dizemos, ainda hoje, por aqui.
É por isso que digo que a história que vou narrar tem comoção e ingenuidade infantis. Naquela época, lá pela década de 1960, a mãe estava no primário, não lembro como eram as séries, mas era no inicinho da vida escolar. As carteiras ou classes eram de dois lugares e os alunos se sentavam aos pares para assistir aula.
A mãe conta que tinha uma colega que levava "pão de venda, com mortadela de merenda!" Imagina! Se pão de venda já era uma raridade pra mãe, imagine recheado com mortadela?! Coloque-se no lugar da criança sentindo o cheirinho daquele pãozinho, debaixo da mesa, o odor da mortadela tentando o pobre estômago faminto, o que é que tu farias? Pois é, minha mãe fez. Surrupiou a merenda da colega e comeu. Depois quando a outra deu falta da merenda, reclamou para a professora e todos ajudaram a procurar, a mãe também ajudou, com toda a solidariedade possível, mas sabendo que não encontrariam nada. É engraçado vê-la contando que todos olhavam debaixo das mesas, no chão, por toda a sala e nada.
Quando eu era guriazinha e ela contava esta história eu ficava pensando, roubar um pão!!! Coisa mais comum, sem graça! Hoje quando ouço a história não posso deixar de me comover com tudo. Assim como não pude ficar insensível a uma queixa da minha sobrinha. Sou quem arruma a merenda dela, geralmente um sanduíche de presunto e queijo, já que ela é cheia de frescuras para comer. Outro dia ela reclamou que toda vez que abre a merenda uma coleguinha sua vai para perto pedindo uma "chebrinha" (na verdade é um pouquinho, mas não resisti ao lembrar da brincadeira). Nós perguntamos se a guria leva merenda, se não é alguém que passa por necessidades. A Larissa disse que não, que ela leva merenda, geralmente salgadinhos. Fiquei pensando, ok, existe uma dificuldade de tempo e horários, principalmente para as mulheres que além de trabalhar fora, cuidam de casa e dos filhos. Mas não leva tanto tempo passar margarina numas fatias de pão e rechear com queijo! É mais saudável que salgadinhos e talvez até mais econômico. Sem contar no carinho que se faz a criança demonstrando cuidado ao preparar um lanche. Algo tão simples.
Minha mãe não tinha a facilidade que existe atualmente. O pão que comia era de farinha de milho, feito em casa pela vó Mália. Pão este que todos adoram, mas que ela não faz mais porque se aposentou de vez da cozinha. Além disso, não havia dinheiro para levar merenda para escola. Hoje os pais, na verdade, nós todos temos melhores condições. Apesar de ainda existir pobreza, miséria e muito disperdício sempre tem alguém disposto a dar um prato de comida a quem tem fome.
Vale refletir sobre o desperdício de comida, de dinheiro e de tempo. Porque muitas vezes dedicamos nosso tempo a coisas que não tem tanta importância!
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