sexta-feira, 24 de junho de 2011

Olhar perdido

Fui entrando pelo corredor mal iluminado ouvindo as vozes e os movimentos na cozinha da casa. Tentei agir de forma tranquila, natural e segura para não passar aos outros e não deixá-los ouvir meu coração rachando dentro da caixa toráxica quando meus olhos pousaram sobre o rosto descorado e o olhar perdido do meu tio. Ele não é mais nem sombra do homem alegre e disposto que sempre foi. Seu riso solto não ecoa nem reverbera nas paredes que hoje retém um silêncio apavorante.
À cabeceira da mesa aguardando seu mingau de biscoitos no leite as mãos inquietas e os olhos sem brilho me causaram uma grande perturbação que custou um pouco para disfarçar. O que mais dói é ver o olhar silencioso que parece gritar!
Quem pode imaginar o que vem marcado para si?
Meu tio tão forte, tão desprentido e disposto agora precisa de ajuda para comer e para se locomover.
Nem faz tanto tempo passávamos noites em bailes dançando e rindo. Perdi as contas de quantas vezes nós andamos de bicicleta pela praia, ele pedalando enlouquecido e rápido de bermuda e blusão de lã no final da tarde e eu no bagageiro, segurando no banco da bike para não cair, rindo feito louca. Tantas vezes fomos, já de noitinha, tomar banho na lagoa e aproveitar a água morna!
Como ri quando íamos para os bailes na colônia ou em outras cidades e no intervalo, quando os casais saiam para namorar na rua, nós íamos para o carro tomar café, comer bolachas e bolo no carro, para em quinze minutos voltar para a festa e dançar até as cinco da manhã.
Para mim é impossível não rir quando lembro daquela festa de quinze anos, aonde a comida era pouco e a bebida praticamente nenhuma, a festa era tão sulrreal que a aniversariante dançou tantas valsas que chegou a desmaiar e o meu tio com fome sacou do carpim uma banana.
Tudo isto foi me passando pela lembrança, enquanto ia tomando parte nos últimos acontecimentos da sua saúde. Meus olhos apreensivos pulavam dos olhos perdidos do meu tio e para os olhos chorosos da minha tia. As pessoas não tem ideia de como é difícil pra mim fazer de conta que sou forte e que lágrimas não mexem comigo quando choram na minha presença.  Os olhos perdidos me perturbam o coração e não consigo conter as lágrimas! E nós todos na sala nos olhamos solidários e preocupados com a situação e é neste momento em que o silêncio cresce e explode batendo nas paredes e voltando para socar nossos estômagos.
Minha mente vaga por inúmeras lembranças e eu rezo, rezo, rezo, rezo, rezo, rezo... sem conseguir esquecer o olhar perdido do meu tio.

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