quinta-feira, 19 de julho de 2012

"A cena mais triste que já vi!"

Ninguém jamais suspeitou que a mãe sofresse de depressão, considerada uma das doenças do século. Nenhum outro mal a afligia. Não havia doenças do coração, nem reumatismo, artrose ou esclerose comuns para a idade de 80 anos. Realizava, apesar da idade avançada, todo o trabalho da casa, sem queixas e com agilidade. Vivia tranquila com o marido numa região da colônia de Canguçu. Da casa do alto do morro podia ver a casa de uma das filhas. Viviam aparentemente felizes.

Um domingo antes de completar 80 anos chamou todos os filhos para um almoço de família em sua casa. Vieram todos, menos Laerte, que decidiu não ir porque no próximo sábado seria o aniversário da mãe e ele iria aparecer. A mãe preparou um farto almoço, com ótimas sobremesas. Todos se divertiram, conversaram e riram aproveitando toda a felicidade daquele momento em que estavam reunidos, irmão, sobrinhos, filhos, netos.

Fernando seu pai não cabia em si de tão contente por estarem juntos enchendo a casa com gargalhadas, fala  alta e correria de crianças. O tempo rolou devagarinho naquele domingo de sol, quando puderam sentar na grama e sentir a brisa ao pôr do sol.

Na segunda feira nada havia mudado. A casa estava limpa, as coisas organizadas em seu lugar, Laura não era mulher de deixar arrumação pra depois. Pediu ao esposo que fosse a venda buscar alguns mantimentos e coisas para o almoço, isto eram pouco mais de oito da manhã. Mesmo tendo mais de 50 anos de casado, nunca desconfiou da intenção da esposa. Foi com seu carrinho até o armazém, alguns quilometros da casa.

Ela então preparou tudo com muito cuidado. Posicionou a cadeira, lançou a corda e apertou o laço. Colocou a corda em volta do pescoço e jogou-se no espaço com a mesma firmeza que fazia qualquer dos afazeres domésticos.
Ao voltar para casa Fernando se depara com a mulher já morta, pendurada por uma corda na sala de estar. Ainda que viva cem anos ele jamais entenderá como ela conseguiu colocar a corda tão alto, sendo de estatura baixa. Ainda que viva cem anos nunca conseguirá esquecer da visão que teve. E ainda que viva mais cem anos não saberá o porquê daquela atitude de deixar a vida.

Os vizinhos chamaram os filhos e o primeiro a chegar foi Laerte. Não haverá trauma maior para um filho do que ver a mãe enforcada.
_ Foi a cena mais triste que já vi! Entrar em casa e ver meu pai abraçado nas pernas da minha mãe morta! O pai nunca mais foi o mesmo depois daquilo! E como conseguir não é mesmo?

Quem imaginaria que um amor de infância acabaria assim?
Laura e Fernando se conheceram crianças e se gostaram. Ele prometeu que iria casar com ela, ela aceitou. Pelos doze anos foi pedir ao pai dela pra namorá-la. O velho olhou, com uma cara feia e disse que eles podiam ser amigos, mas namorar ainda estava muito cedo.
Fernando era um rapazinho sozinho na vida. Com dezesseis anos voltou a casa dela pra tentar mais uma vez o namoro. O pai dela disse que ainda estava cedo, que ele não tinha trabalho.  Ele resolveu arranjar um emprego junto a um armazém. 

Fernando tinha certeza de que ela seria sua mulher. Com dezoito anos ele já havia arrendado um pedaço de terra pra trabalhar. Os vizinhos davam força, o homem do armazém disse que faria um caderno pra ele e outros ofereceram dinheiro emprestado para eles casarem. Ele não quis o empréstimo. Voltou a pedir permissão para o namoro. Como ele se esforçava o pai decidiu dar uma chance, mas ele tinha que ter mais do que o que oferecia pra casar.

Não conseguia saber o que fazer pra conseguir chegar a uma condição melhor. Trabalhava de meieiro, arrendava, até que o pai da moça percebeu o quanto ele estava sozinho, o quanto ele era sozinho e deixou que ela fosse viver com ele. Mas havia a condição de casar.
O amigo da venda abriu um caderno pra vender fiado e ele seguiu pegando pesado no trabalho. Aos poucos conseguiram casar. Foram juntando dinheiro para comprar as terras que arrendavam. Conseguiram um valor grande, mas o dono da terra queria um pouco mais. Faltava uma parte. Com ajuda de um amigo, que emprestou, conseguiu completar o dinheiro. O dono das terras perguntou como ele havia conseguido o valor, ele contou, com sinceridade que a parte que faltava havia pego emprestado. O homem disse que ele devolvesse o valor para o amigo e que ele pagasse o restante quando tivesse. E foi assim que comprou suas terras, aos poucos, sempre dialogando muito com a esposa e decidindo juntos o futuro da família.
A vida foi de muito sacrifício e trabalho. E foi uma vida muito boa também! Tiveram e criaram os filhos com amor e carinho, sempre incentivando o estudo. Seu lema era "não temos nada pra deixar de herança, a herança de vocês é o estudo!". Tudo era dividido e decidido junto e ele acreditou que assim também seria na morte. Mas isto... ela decidiu solita! E ele segue solito vivendo na casa dos dois, limpando, cozinhando, arrumando a casinha com o carinho e o cuidado que lhe são peculiares. A saudade aperta sim, sufoca até. Faz parte, é o que dizem.  Só seu Fernando não quer morar com nenhum filho, quer viver na sua casinha, até quando Deus quiser!


PS.: Esta história, como a maioria dos meus contos, é baseada na história real de um senhorzinho muito guerreiro e querido que conheci. Tem algumas modificações mas o cerne é verdadeiro.
Quem podia prever ou se quer pensar no mais louco dos delírios que a história de amor que começou na infância acabaria com o suicídio dela?

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