Cansada de sofrer por um amor não correspondido resolveu botar um ponto final. Não dava para continuar sofrendo! As palavras que disse ao amado serviam mais para si própria do que para ele, que não sofria qualquer culpa, que não compartilhava das dúvidas e dos medos dela. A intimidade dos dois serviu como ponto de partida para entrar no assunto, que para ela, a cada palavra proferida se tornava mais difícil.
Acabou seu discurso aos prantos, desculpou-se por não ser tão livre como gostaria de ser. Cada frase lhe batia de volta como um bumerangue.
_Te amo, mas não posso continuar ficando contigo... não te cobro nada... e sei que teu amor por mim é diferente... sei que não tens intenção de mais nada além do que já dizia Cazuza 'sexo e amizade'... cobro demais é de mim mesma, que não quero sentir o que sinto para não te cobrar o que não devo... nem posso.
Tudo foi dito sem intervalo, sem tempo para réplicas. Ele não deveria dizer nada. Como aconteceu diante do espelho, ninguém retrucou. Foi seguindo, ou pensava que seguia, o roteiro imaginado. Mas ele não poderia dizer nada. Tocá-la menos ainda. Sentir o calor de suas mãos seria covardia demais. Com certeza esqueceria o roteiro, os planos e a decisão definitiva que havia tomado de mudar a situação. Aquele momento era a virada de mesa para ela. O agora ou nunca!
Como previsto ele deixou que ela falasse compulsivamente. Ouviu com atenção os argumentos e ficou os olhos nos olhos dela. Crispou a sobrancelha quando lhe perguntou se ela tinha mesmo segurança de que não queria mais amá-lo, mesmo que sem compromisso, mesmo que apenas uma vez lá que outra? Ela seguiu firme na decisão apesar das lágrimas rolando pelo rosto e a voz fraca que quase não saia.
Ele segurou sua mão trêmula e disse que para ele tudo aquilo era loucura, deveriam continuar como estavam. Ele também a amava e ela sabia.
Ela ergue-se do chão aonde estava sentada e disse que sabia de tudo o que ele estava falando, que acreditava em tudo, por mais incrível que parecesse e embora suas amigas, sua mãe e até ela mesma lhe dissessem que deveria esquecer o que um dia aconteceu entre eles.
_Sempre terei este amor em mim. És parte de mim, mas quero outras coisas.
Ele replicou duro:
_Queres casar? E completou a pergunta com um sorriso irônico.
Ela ficou ferida demais para responder ao sarcasmo. Disse apenas que não sabia, talvez casasse ou não. Não sabia o que queria, sabia apenas que não queria aquela situação.
_Não quero ser objeto apenas de desejos, não quero ser confidente . Não quero mais ouvir o homem que eu amo falando de outras mulheres. Não quero mais não saber afinal de contas o que sou tua, o que somos nós!
O rapaz manteve-se sério, sentado olhando para ela de pé diante dele. Houve um momento de silêncio. Apenas os olhos vermelhos dela pousados, agora com serenidade, nos olhos dele, quase indiferentes.
_Vou embora...
Foi saindo, deixando para trás toda a angústia que viera carregando. Enxugou o rosto. Olhou no espelho do hall e cerrou a porta sem olhar para trás.
Saiu com a certeza de que tu voltara a ser como antes do primeiro beijo que trocaram. Ficou livre daquela dor disfarçada de amor. Sabia que aquilo não era o que buscava. Desespero, incerteza, angústia, dor, nada, nada daquilo foi parecido com o amor que já havia sentido. Cogitava muitas hipóteses e teorias, como era costumeiro. Talvez doesse tanto porque não era correspondida como desejava. Não sabia, não fazia ideia! Também não tinha a menor importância.
Não precisou pensar em como seria o próximo encontro com ele pois demoraria alguns meses, já que ele iria viajar por mais de um mês. Durante este tempo, os dias passaram claros, calmos. No retorno, logo procurou por ela. Marcou um encontro, um café, um conhaque, mas ainda naquele dia. Antes de desligar disse solene...
_"Eu te amo! Não esquece nunca!"
Do outro lado ela sorriu vitoriosa, embora já tivesse escutado a declaração, embora tenha sido ele o primeiro a usar o termo na relação, embora ela nunca tenha tido dúvida nas vezes anteriores... desta vez pareceu-lhe mais verídico, mais sincero. Apenas respondeu calma: _Eu também!
A noite optaram pelo conhaque. Conversaram muito, como de costume ele contou seus projetos, pediu conselhos. Surpreendeu quando perguntou para ela de seu coração. Não pode disfarçar a surpresa, pois ficou corada. Sem jeito respondeu:
_Esta bem, porque a pergunta?
_Quero saber de ti, me interesso, porque a estranheza?
_Nada, apenas me surpreendi, tu nunca perguntou sobre isto antes.
Caminharam lado a lado até a casa dela. Na despedida ele repetiu a declaração pela qual ela tanto ansiou escutar.
_"Eu te amo, não esquece nunca!"
Ela sorriu...
_Eu também...
Ele beijou -a na testa.. O beijo era o selo de autenticação.
Daquele dia em diante, depois que ela disse que não o queria mais, cada despedida era para ele a tentativa de reconquistá-la. Sua declaração a fazia sorrir sempre e sentir, como se finalmente tivesse atingido seu objetivo de ser amada por ele. Agora já não importava, mas era muito bom ouvir.
Teve certeza de ser amada quando resolveu não amá-lo mais.
Um comentário:
Esse é para o livro.
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