Contos de todo o tipo, historinhas da vida real, crônicas do cotidiano, contos, sonhos e desejos, todos mudando conforme as fases da lua.
terça-feira, 30 de março de 2010
Abóbora de pescoço
Esta lembrança é minha, mas também é compartilhada por muitas outras pessoas. A família grande se espraiou um pouco agora que "as crianças" cresceram. Mas, não muito. Ninguém vai para muito longe não. E caso seja necessário ir, por causa do trabalho ou da vida mesmo, não precisa tristeza, pois sempre que der a "caravana Bispo" arregimenta seus comboios e parte para visitar o ente querido que tá noutra cidade. Era assim quando a Adriane estava no Chuí, viagens que renderam boas histórias e alguns estresses; e foi assim também quando o tio Leopoldo e a tia Lorena foram morar no Rincão do Andrade, na colônia de Pelotas.
Meu tio Leopoldo já não está mais aqui entre nós. Hoje ele está no mundo dos espíritos. Com certeza é um daqueles zombeteiros que vive a pregar peças nos outros, pois esta era sua principal característica enquanto estava por aqui. Não havia situação em que ele não contasse uma piada, nem pessoa com quem ele não brincasse. A mãe conta que o tio era um bom jogador de futebol e que foi jogar num time chamado Carvalhada, se não me engano em Porto Alegre. Na verdade não lembro se chegou a ir ou só foi convidado. Era chamado pelos irmãos de "Máninha", e acabou virando para os sobrinhos o tio Máninha (não sei se precisa o acento, mas é que o má é aberto).
É o filho mais velho da minha vó Mália e do vó Dorocildo, o primeiro de nove, que sobreviveram. Minha bisa adorava ele. E ele a ela. E eu a ele. Ele também gostava muito de tomar umas e outras. Primeiro canha, depois passou para o vinho.
Quando minha vó Mila (a bisa) morreu, eu era bem pequena. Acho que já contei como foi, num suspiro, num bocejo na cama do hospital e sua alma se foi. Eu não fui no velória dela, era criança e minha mãe achava que eu não precisava passar por aquilo. Lembro até hoje de como foi que meu pai contou, ele desligou o telefone e disse que a vó Mila tinha falecido. Se eu fechar os olhos posso ver a cena, estávamos na cozinha. Depois meu pai foi colocar meus manos e eu para dormir e nos ajudou a rezar por ela.
Mas este post não é para ser triste não. Apesar da saudade, os personagens desta história são carregados de graça. Lembrei deste fato só para contar que o tio Maninha foi no velório da bisa... e tomou cachaça... e contou piadas. Todos os irmãos diziam: "_Máninha vai pra casa!" E ele respondia em bom tom: "_ Eu vim pra passar a noite, vou passar a noite!". E assim foi aquela noite, a tristeza pela perda de minha bisa não tinha tamanho e todos sentiam muito. Mas também teve muitos risos por conta das piadas do tio Maninha. Era a despedida dela e ele não poderia agir diferente, pois ele era assim e era assim que ela gostava dele. E não dava para não rir perto dele.
Junto com a tia Lorena o tio Máninha teve três filhos, a Márcia, o Gerson e a Andressa, que é "a rapa do tacho". Meus tios tiveram uma grande tristeza. Na verdade toda a família ficou triste. É porque minha prima Márcia se foi muito cedo, com 18 anos, vítima da leucemia. Todos nós ficamos muito arrasados com a perda, principalmente eu e minhas primas que tínhamos quase a mesma idade dela.
Mas este post é pra contar da vez que fomos para a casa do tio Leopoldo lá no Rincão do Andrade. A Márcia ainda estava bem, bonita e feliz. Eles moravam com a madrinha da tia Lorena, a tia "Jorja". Éramos sempre muito bem recebidos por ela, café bem farto com pão caseiro e doces feitos por ela, bastante frutas, leite, enfim... uma comilança sem tamanho.
"Bobagem e-u não planto!", foi a frase que restou da tentativa da tia "Jorja" de fazer meu tio Máninha plantar tempero verde, couve, coisinhas assim. Para ele plantação de fundamento era feijão. Este meu tio! É sempre assunto nas conversas de família.
Desta vez que fomos lá foi uma bagunça. Começava que logo cedinho tínhamos que pegar o ônibus na frente da praça da Santa Casa, na lancheria Indiana. Foi uma galera: a mãe, eu e meus irmãos, minha tia Ieda, minhas primas Lili e Adriane com os filhos dela, a dona Mercedes (sogra da Adriane), a tia Rosa, a minha prima Graciela, a tia Semita, a minha prima Preta (o nome dela é Maria Cristina, mas a gente chama ela de Preta) e meus tios Jocely e Zé, se não me engano e a memória não me traí estão todos aí. A viagem de ida era tranquila, todos arrumadinhos. Agora a volta... bem... na volta a viagem era bem parecida com aquelas de filmes, onde as pessoas estão indo para o interior carregando galinhas e porcos.
Uma coisa muito comum em nossa família é o destrambelhamento na hora de pegar o ônibus de volta. Sim, porque na ida a gente nunca sabe direito o horário, então tem que chegar cedo, sabe que o ônibus não espera e tal. Mas na volta... sabe como é... tem um que tá no banheiro, tem outro num quarto trocando de roupa, outros foram colher frutas, outros ainda estão tomando café e outros já estão indo para a parada do ônibus. Aí, já viu, é aquela correria louca. A gente sempre ia e passava o dia, afinal de contas, era longe e não dava pra passar apenas uma hora. O ônibus geralmente passava pelas cinco da tarde. Naquele dia a tia Jorja tinha dado pra gente umas abóboras de pescoço enorrrmes, além de laranja e flores que a gente sempre colhia nas terras dos vizinhos.
A epopéia da volta começou com a correria de todo aquele povo para pegar o ônibus. Imagine caro leitor, uma penca de crianças, mais cinco mulheres, cada uma carregando uma abóbora de pescoço, correndo pela estrada de chão batido para pegar o buzum.
O transporte coletivo, como sabemos é meio caótico, em finais de semana o número de carros diminui e o intervalo entre um e outro aumenta. Pense então como não foi a nossa viagem. O primeiro ônibus foi tranquilo, porque os que fazem o transporte para a colônia são aqueles de viagem, com bancos estofadinhos, apesar de bem velhinhos. Conseguimos até tirar um cochilo. É pena que as máquinas digitais ainda não existiam, se não poderíamos ter registrado a dona Mercedes dormindo, de boca aberta e abraçada na abóbora.
Já o segundo, que nos levaria do centro para casa... meus amigos... a coisa foi muito engraçada. O ônibus lotado, aquele povo todo mais a nossa caravana, com um monte de crianças e mais as abóboras para lotar o buzum. A dúvida era cruel, ou segurar a abóbora de pescoço... ou segurar para não cair. E lá fomos nós, cada um com sua abóbora, segurando por onde dava, pendurando a abóbora no pescoço, abraçando que nem bebê.
Enquanto não chegava o momento de descer o pessoal se mantinha tranquilo, conversando amenidades e rindo. ao se aproximar da parada que tínhamos que descer... voltava o destrambelhamento, era mãe chamando criança, era criança com medo de ficar no ônibus, era tia sem saber se segurava o filho ou a abóbora. Uma confusão! Para completar o ônibus estava lotado, e a gente ia pedindo licença, mas não tinha como passar e a parada vinha chegando e as pessoas não abriam espaço para gente descer e dona Mercedes estava lá na frente encabeçando a fila com sua abóbora de pescoço firme e forte. E tinha um senhor que estava bem na porta e além da idade não ouvia bem, e a parada se aproximando e o velhinho não saia pra gente passar, o ônibus já estava parando e as crianças gritavam que não queriam ficar e outras que queriam descer, mas o vôzinho não saia. Foi então que a dona Mercedes na ponta da fila deu com a abóbora de pescoço na bunda do velinho. Nesta época não existia o Estatuto do Idoso, se bem que ela também já tinha uma certa idade. Mas foi engraçado, ele pulou rapidinho para longe da porta e abriu caminho para a gente passar, foi só sentir o pescoço da abóbora. hahahahahahahahahaha
Fomos descendo um a um, reclamando do quanto o ônibus estava lotado e como as pessoas não dão licença e que aquele véio não nos deixava descer e a dona Mercedes dava sonoras gargalhadas com sua "proesa". A diversão havia sido fechada com "chave d'ouro", muitas risadas e uma história bem engraçada para contar.
Como diz uma canção antiga... "que tempo bom, que não volta nunca mais"!
PS.: A lancheria ainda existe e assim com a parada de ônibus pra colônia lá.
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2 comentários:
As narrativas dessas memórias estão ficando muito boas...
São seus olhos!!!!! Obrigada!
Estou treinando.
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