segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Ferro, osso e garrafas para vender

Só sabe dos sofrimentos de não ter o que comer aquele que passou necessidade na vida. E só sabe das alegrias e das sutilezas estes mesmos que na diversidade tiveram grandeza para saborear cada momento, apesar das mazelas. A família da minha mãe viveu momentos de grande pobreza quando ela era criança. Contudo e apesar de tantas necessidades cada um dos tios conta histórias engraçadas de crianças arteiras tentando superar os momentos de fome.
Já contei aqui que eles moravam no mato que ficava ali onde hoje é o bairro Dunas. Antes disso, viviam na tal vila Prieto. Quando conseguiram a casa no mato, com a condição de cuidar o mato, a moradia era precária. Era como a música do Vinícius de Moraes, "não tinha teto, não tinha nada". Minha vó conta que a casa não tinha janelas e nem portas, mas tão logo puderam se mudaram pra lá. E foi no mato que aconteceram as mais diversas histórias, foi onde se criaram minha mãe e meus tios, foi onde meu avô assombrou a vizinha fofoqueira e onde minha mãe e minhas tias tomavam banho nas valetas. Valetas limpas, não estas cheias de lodo que temos hoje em dia. hahaha Cada vez que minha mãe dizia que tomavam banho de valeta eu ficava imaginando elas pretas daquele lodo fedorento! Que nojo!, eu dizia e ela falava que as valetas não era como aquelas da minha infância. Para se resguardar de qualquer doença que pudesse vir daquela água insalubre elas faziam um vidro de chá de macela. Criança realmente sabe viver!
Nos momentos de aperto meu tio Toninho, por alguns conhecido como "Virola" fazia pequenos trabalhos, recolhia doações, se virava pra levar alguma coisa pra casa, dinheiro ou comida. Mas aquele tempo era de grande escassez e não era como hoje com bolsa família, com várias entidades que ajudam, todo mundo vivia com pouco e uns com menos que pouco. Na verdade com quase nada! Então meus tios juntavam garrafas, ferro e até osso pra vender. Algumas vezes aprontavam das suas, visto que o comprador dos ossos era gente boa e guardava o material comprado no pátio protegido por uma cerca de arame que tinha um buraco. Daí que eles vendiam os ossos, depois a tia Rosa, que era a menorzinha na época, passava pelo buraco na cerca, pegava os ossos e voltavam a vender os ossos pro mesmo comprador que dizia: "mas eu acho que conheço estes ossos!". E eles diziam que não, que eram ossos novos, diferentes dos anteriores, recebiam o dinheiro e se danavam correndo pra longe dali. Deixavam passar um tempo e voltavam a vender aqueles velhos ossos de novo, pro mesmo comprador de sempre.
Apesar desta travessura todos eles muito cedo começaram a trabalhar. Os guris na construção civil, pedreiros, pintores. As gurias foram trabalhar em casas de família. Cresceram felizes, apesar de ter tido que trabalhar duro, e por unanimidade todos dizem que se pudessem voltar ao passado queriam tudo igual de novo. E estas histórias me enternecem muito!

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