Como noveleira assumida que sou estou gostando "very much" da novela Império de Agnaldo Silva. A trama esta muito bem construída, diferente do que vinha sendo colocado neste horário nos folhetins anteriores. O autor está tocando em pontos muito importantes e que necessitam ser colocados em debate na nossa sociedade. Entre os principais está a questão LGBT representada brilhantemente pelos atores Paulo Betti, José Mayer, Kleber Toledo e Ailton Graça. Cada um com um tom abrangendo a diversidade que existe neste grupo. Ailton Graça, aquele "negão de tirar o chapéu" está primoroso na sua interpretação da cabeleireira Xana e dando de forma brilhante toda a dramaticidade que a personagem carrega.
Nos últimos capítulos a novela toca num ponto polêmico e crucial "o preço que se paga por ser quem a gente é". Não são todas as pessoas que botam sua cara a tapa assumindo suas escolhas de forma corajosa tal como fez Xana. E certamente, vendo os crimes de ódio contra gays no nosso país, podemos imaginar o quanto um gay trans, negro deve ter sofrido na sua caminhada. O quanto deve ter sofrido de preconceito, maus tratos e injustiças, pois quando se pré-julga sem o mínimo de conhecimento já se está injustiçando. Nos capítulos destas últimas semanas Xana enfrenta o difícil momento de decidir se cumpre a promessa de criar o filho de uma amiga que morreu ou se o entrega para o Estado. A culpa, a dúvida, o medo, mas acima de tudo o amor faz com que ele decida não cumprir a promessa no intuito de preservar Luciano de toda sorte de maldades e preconceitos se fosse criado por ele.
A personagem abre um leque de dor que nos emociona profundamente. Mostra as cartas e as marcas sofridas quando diz que é melhor para o guri ser criado num orfanato ao invés de viver com ele, pois na escola sofrerá bullying por ser adotado por um trans, a sociedade irá julgar (e condenar) o tipo de relação que existe entre ela e o garoto. Toda sorte de ideias e argumentos, certamente bem conhecidos de Xana, poderão ser usados pela comunidade. A personagem diz claramente o que as pessoas dirão, coisas aliás que algumas vezes escutamos, não só da boca de fundamentalistas religiosos como Malafaia ou Feliciano. Absurdos como a possibilidade de um gay influenciar outras pessoas a serem gays, insinuações de que por ser homoafetivo cria a criança para abusar dela. Tanto uma, quanto outra são afirmações horríveis das quais quer preservar Luciano.
É óbvio que sabemos que muito melhor seria que o guri fosse criado por Xana com uma estrutura de família, com afeto, com carinho e amizade na comunidade onde cresceu junto com a mãe. Não há dúvidas que a bondade se expande do coração dela que acolhe e cuida dos amigos e hóspedes da sua pensão como membros da família. Para muitos desavisados, que talvez desconheçam o amor verdadeiro, o ato dela parecerá puro egoísmo de quem não pretende mudar seu modo de vida para criar um filho que não é seu. Mas com certeza esta é a mais mentirosa de todas as coisas a que podem acusá-la. E é a mais bem interpretada por Ailton Graça, que mostra com suas lágrimas e com a expressão do seu olhar o quanto o dilema mexe com seu coração. Deixar que aquele garoto cresça sozinho sem o afeto de um lar, pra quem sofreu preconceito a vida inteira e não quer que outros passem pelo mesmo, é a melhor opção. Embora eu não concorde, pois para mim o amor transcende e supera tudo, compreendo perfeitamente a decisão dela.
Numa sociedade que entende o homicídio de um jovem gay com requintes de crueldade como o resultado de uma "briga" de casal o medo de Xana não é infundado. Tem quem pense que a culpa "do aumento" dos gays hoje em dia seja das novelas, que estão colocando o grupo em evidência. Como se ser gay fosse moda. Quem em sã consciência assumiria homossexualidade numa sociedade preconceituosa que mata pessoas que assumem a sua condição? Aliás, neste ponto Agnaldo também mete o dedo na ferida quando coloca o Robertão (personagem asqueroso) que não se importa de tirar a roupa por dinheiro diante de um homem que gosta de homens, mas se diz espada quando este lhe propõe sexo. Ele acha normal sair para jantar com aquele gay num restaurante bem chique e da moda, gosta da noite e destila seu preconceito quando declara que se Theo "não fosse boiola até seria amigo dele". Tirar proveito de uma pessoa nesta condição tudo bem, ser amigo não. Para mim é como a situação do cara que assumiu ter matado João Donati fazer sexo com gay sendo ativo, tudo bem. "Agora dar a bunda... ah! isto é coisa de viado!" Pensamento este de muitos machões por aí!
Aguardo momentos muito mais emocionantes como o momento em que Claudio (José Mayer) assumirá sua bissexualidade aos filhos, outro dilema muito bem tratado na trama. Certamente voltarei ao tema novela das oito, pois estou no aguardo das cenas dos próximos capítulos.
PS.: Fiquei na dúvida em relação a diversidade de Xana, coloquei trans porque entendo como trans, não só aqueles que optam por fazer cirurgia como trans, mas por serem de um gênero e identificarem-se com o outro. Como travesti, muitas vezes optam por hormônios e implante de próteses, e não me parece ser este o caso da personagem, acabei escrevendo Xana como trans. Mas se alguém souber com certeza eu posso corrigir.
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